Weekly Note
Impactos da Crise Covid-19
Breve análise sobre países e setores
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Na fase da crise Covid-19 em que nos encontramos ainda persistem múltiplas incertezas sobre o futuro que nos aguarda. Uma das mais relevantes, é o tempo que teremos de esperar até que surja um tratamento eficaz e/ou uma vacina com elevada capacidade para proteger os que não ficaram imunes. De qualquer forma, acreditamos que vale a pena efetuar uma breve reflexão sobre os potenciais efeitos desta crise, quer ao nível dos vários países quer de alguns setores económicos.
De facto, em resultado desta pandemia, é natural que algumas economias sejam mais prejudicadas e que, como tal, registem uma recuperação mais prolongada no tempo.
O primeiro grupo de países que terá mais dificuldade em superar a crise inclui as nações com fraca capacidade para controlar o surto do vírus. Estamos naturalmente a falar de países mais pobres, com elevada densidade populacional, com fracos sistemas de saúde e incapacidade de imposição de medidas de quarentena. Nestes casos, a normalização da situação só será possível quando surgir um tratamento ou uma vacina, o que ainda é altamente incerto. Neste grupo estão países da África subsariana, da América Latina e do subcontinente indiano.
O segundo grupo de países mais afetado agrega nações cujas economias dependem, em larga escala, dos setores de atividade mais diretamente atingidos pela crise. Nesta categoria inserem-se, por exemplo, os países com elevada exposição aos setores de viagens e turismo. Tal como se observa no gráfico abaixo, destacam-se aqui a Tailândia, as Filipinas, a Grécia e Marrocos. Em geral, o levantamento das restrições de viajar além-fronteiras deverá ser lento e as pessoas tenderão a adiar as suas deslocações em férias ou trabalho. De salientar que serviços discricionários como cinemas, festivais ou conferências também serão prejudicados durante mais tempo, afetando mais negativamente os países desenvolvidos em resultado da maior exposição aos mesmos.
As Economias mais expostas aos setores de viagens e turismo serão fortemente penalizadas
Um terceiro conjunto de países mais afetados, corresponde às economias em que o aumento da despesa pública, para fazer face à pandemia, colocará o rácio de dívida pública numa trajetória insustentável. Numa primeira análise, os países mais vulneráveis serão aqueles cuja ponto de partida já é um elevado rácio de endividamento público. Do gráfico abaixo, destacam-se o Japão e os países do Sul da Europa, mais especificamente a Grécia, a Itália e Portugal. A situação será ainda mais grave nos Estados que não controlam a sua política monetária (leia-se incapacidade de impressão de moeda própria) e onde as perspetivas de crescimento económico forem mais fracas.
Maior endividamento público poderá indiciar maiores dificuldades em recuperar
Por último, os países que não forem capazes de evitar o surgimento de uma crise bancária também tenderão a ter mais dificuldades na superação da crise. Tal poderá acontecer quer pela fragilidade previamente existente no setor bancário, quer pela incapacidade dos governos em apoiar atempadamente empresas e famílias, abrindo a porta a uma onda de falências. Em geral, os países desenvolvidos foram mais rápidos e efetivos a disponibilizar assistência às famílias (subsídios) e às empresas (garantias de empréstimos), enquanto as nações emergentes divergiram mais na sua resposta. Países como o Brasil, o México e a India têm ficado para trás no que se refere à disponibilização desses apoios. Claro está que o disparo do crédito malparado também tenderá a ser mais dificilmente controlado nos países com maior exposição aos setores mais prejudicados pela crise, categoria que já mencionámos acima.
O gráfico abaixo ilustra a diferença entre as previsões, da Capital Economics, para as variações do PIB de vários países, em 2022, antes e depois da crise. Um maior diferencial entre as estimativas representa uma maior dificuldade em recuperar da crise. Numa síntese dos vários fatores, os países mais resistentes serão a China, o Japão, os EUA e a Alemanha. Por outro lado, as economias desenvolvidas mais afetadas serão a espanhola e a italiana em resultado da sua exposição ao setor do turismo e aliado ao seu elevado endividamento público. No que respeita aos mercados emergentes, destacam-se pela negativa a Turquia, o México e o Brasil.
Um maior diferencial entre estimativas, pré e pós crise, representa uma dificuldade acrescida para recuperar da crise
Os reflexos desta crise também não serão sentidos de forma uniforme entre os diferentes setores de atividade. Alguns setores poderão mesmo beneficiar da reconfiguração futura da sociedade e da economia. O destaque pela positiva vai para tecnologia, biotecnologia, saúde, farmacêuticas, comércio online e empresas de serviços de entregas.
Apesar dos efeitos económicos, o surto de covid-19 é acima de tudo uma crise de saúde. Nesse sentido, é natural que o setor de saúde, em especial o de biotecnologia, possa ser um dos grandes vencedores de toda esta situação. Contudo, nem todos os seus subsetores irão beneficiar, pois alguns não são contribuidores diretos na ajuda à crise entre mãos, e deverão mesmo sofrer as consequências da contração económica e perda de proveitos futuros. Já os ganhadores deverão sair dos segmentos ligados ao combate e prevenção do covid19, em especial nas categorias de diagnóstico (testes moleculares e serológicos) e de terapêutica (desenvolvimento de medicamentos antivirais e de vacinas), a par do subsetor de empresas que conseguem fazer a intersecção entre os setores da saúde e da tecnologia.
Por contraponto, deveremos ter efeitos nefastos em setores como o petrolífero, as viagens/companhias aéreas, o turismo, a restauração e, consequentemente, o setor bancário. O prejuízo trazido pela crise poderá ser mesmo duradouro para algumas destas indústrias.
No que respeita ao setor petrolífero importa talvez refletir um pouco sobre o seu contexto mesmo antes do surgimento da atual crise, onde o setor já apresentava desequilíbrios significativos.
Nos últimos anos, a OPEP ter-se-á esquecido da sua missão e procedido a cortes de produção, em 2016 e 2018, apenas para inflacionar artificialmente o preço do petróleo. A resultante subida de preços (para os 70-80 dólares), com o intuito de servir a elevada despesa pública dos seus membros, acabou por se virar contra a própria OPEP no sentido em que incentivou a produção noutras geografias do globo, como foi o caso dos EUA (xisto) que conseguiram superar a Arábia Saudita e a Rússia, em termos de produção diária. Desta forma, a OPEP viu a sua quota de mercado cair para níveis mínimos de 10 anos e os seus países membros começaram a deparar-se com uma difícil situação orçamental, que originou o recurso à emissão de dívida denominada em dólares e que agora se afigura como obstáculo acrescido.
Ao mesmo tempo, a expansão monetária, levada a cabo entre 2015 e 2019, permitiu o financiamento de investimentos petrolíferos de baixa rentabilidade e yields historicamente baixas, perpetuando o excesso de capacidade e a sobrevivência de empresas ineficientes. Já em 2019, a International Energy Agency (IEA) tinha reduzido as estimativas de crescimento da procura global e alertado para uma desaceleração. Em suma, o facto de o setor petrolífero não constituir um mercado livre acabou por provocar distorções graves.
É neste contexto já problemático que surge a crise Covid-19, fazendo com que o setor atingisse uma situação limite, onde a queda na procura provocou o colapso na capacidade de armazenagem e resultou na cotação negativa do WTI, pela primeira vez na história.
A procura é especialmente atingida nas regiões onde os confinamentos são mais estritos. Os dados de tráfego da tabela abaixo assim o parecem comprovar. Na linha da frente, destaca-se Moscovo, com uma diminuição de 93% no tráfego, face à média histórica, desde o início do ano. A cidade aplicou um confinamento estrito, no qual os residentes só podem sair de casa com permissão das autoridades.
A queda nos dados de tráfego foi mais acentuada no caso dos confinamentos estritos.
Segundo a IEA, em 2020, a procura global de petróleo deverá cair 9,3 milhões de barris diários. O mês de abril ficará marcado pela redução de 29 milhões de barris diários no consumo a nível mundial. A capacidade de armazenagem a nível global estará em cerca de 1,4 mil milhões de barris e não oferece grande margem para lidar com a atual situação. O potencial corte de produção de 12 milhões de barris diários, em 2020, não deverá ser suficiente para restaurar o equilíbrio tendo em conta o recuo na procura e a capacidade de armazenagem existente.
Para além disso, o setor poderá vir a perpetuar as suas distorções, uma vez que é provável que seja intervencionado por diversos governos que atrasarão a necessária correção do excesso de capacidade. Assim sendo, a recuperação do setor não se avizinha célere.
Tal como deixámos claro numa das últimas weekly notes, a banca é outro dos setores que nos preocupa em resultado do expetável aumento do crédito malparado. A esse respeito valerá a pena fazer um ponto de situação sobre os resultados do primeiro trimestre dalguns bancos europeus. O HSBC registou uma queda de 56,8% nos lucros do primeiro trimestre devido ao facto das provisões para crédito malparado terem quintuplicado. O Credit Suisse reportou um aumento de 600% nas provisões para crédito malparado, enquanto o italiano Unicredit registou imparidades adicionais de 900 milhões de euros. O Santander apresentou uma queda de 82% no resultado do primeiro trimestre devido a uma provisão de 1,6 mil milhões de euros destinada a fazer face aos efeitos da crise.
Em suma, a Sixty Degrees irá continuar a monitorizar de perto os efeitos da atual crise nas várias geografias e setores de atividade. O objetivo será aproveitar eventuais oportunidades de investimento que possam surgir e evitar a exposição aos ativos considerados mais vulneráveis no quadro atual.