Weekly Note
Economia da Zona Euro
Sixty Degrees teme recuperação lenta
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A economia da Zona Euro deverá recuar fortemente no corrente ano. Segundo a Comissão Europeia, o PIB da Zona Euro deverá diminuir 7,7%, em 2020, e recuperar 6,3%, em 2021. Os países mais atingidos deverão ser a Itália e a Espanha com quedas estimadas de 9,5% e 9,4%, respetivamente. A Comissão Europeia estima ainda que o PIB francês se contraia em 8,2% e o alemão em 6,5%. Por contraposição, a generalidade dos analistas de mercado está mais pessimista que a Comissão Europeia, estimando um recuo do PIB que poderá atingir os 12,0%, em 2020. Face à mais do que certa contração da atividade, neste ano, torna-se relevante tentar perceber como é que a economia poderá recuperar do tão forte embate e se existem razões válidas para temer uma recuperação lenta.
Em primeiro lugar, importa salientar que, antes da pandemia, a Zona Euro já registava um franco decréscimo da sua atividade económica, apesar da política monetária fortemente expansionista, levada a cabo pelo BCE através do seu programa de QE, e da implementação de taxas de juro negativas desde 2014. Em 2019, a Zona Euro registou um crescimento económico de apenas 1,2% (Alemanha 0,6%) versus 2,3% nos EUA. Para o triénio 2017-19, a Zona Euro registou um crescimento económico médio de 1,9% versus 2,5% nos EUA. Assim sendo, a região já enfrentava diversos problemas muito antes do surgimento da atual crise, em resultado do insucesso do programa de QE e da falta de consolidação das dívidas dos Estados membros, com prejuízo para a estrutura do próprio Euro. Em termos de perspetivas futuras, é preocupante constatar que, em 2019, cerca de 22% do PIB (valor acrescentado bruto) da Zona Euro era proveniente do setor de turismo & lazer, para o qual antecipamos enormes dificuldades de recuperação.
Em segundo lugar, o setor bancário europeu apresenta fragilidades que o poderão tornar mais vulnerável aos efeitos da crise Covid-19, prejudicando a potencial recuperação económica dos diversos países. Segundo dados da EBA, em junho de 2019, o rácio de NPL’s dos bancos da Zona Euro situava-se nos 3%, equivalente a aproximadamente 630 mil milhões de euros, comparável aos 1% para a banca norte americana. Para além disso, os bancos europeus apresentam um fraco retorno sobre os capitais próprios, maioritariamente em resultado da existência de taxas de juro negativas nesta região. No Risk Assessment Questionnaire da EBA (3T19), pode constatar-se uma redução de 40bp, face ao trimestre anterior, no Return on Equity (ROE) dos bancos europeus, para 6,6%. Além disso, estes bancos também estão expostos ao risco de crédito dos países da Zona Euro através das suas carteiras de obrigações soberanas. Segundo dados da Comissão Europeia (“The Bank Sovereign Loop and Financial Stability in the Euro Area – working paper 2019), os maiores bancos da Zona Euro, sob a alçada da EBA, apresentam uma exposição a dívida soberana na ordem de 25%-40% do PIB do seu país de origem. Assim sendo, os bancos europeus partem de uma situação já fragilizada, o que os torna mais vulneráveis aos potenciais efeitos da crise, em especial pela expectável subida do crédito mal parado e pela potencial debilidade dos seus níveis de capital.
Em terceiro lugar, a resposta à crise por parte dos governos vai originar um aumento dos défices orçamentais e da dívida pública dos países. Se os Estados tiverem de aumentar impostos para fazer face ao desequilíbrio orçamental agora gerado, será ainda mais difícil atrair investimento e criar emprego no futuro. Tendo em conta os pacotes de medidas de ajuda já divulgados, estima-se que os rácios de Dívida Pública/PIB possam subir entre 15 a 30 pontos percentuais na Zona Euro, tal como mostra o gráfico abaixo.
O rácio Dívida Pública/PIB poderá aumentar 15-30pp na Zona Euro
O elevado endividamento poderá levar os diversos governos a enveredar por uma de três vias: austeridade/aumento de impostos, default ou monetização da dívida.
Nos últimos tempos, vinha a ganhar fôlego a teoria de que muitos países poderiam suportar elevados níveis de dívida se as taxas de juro nominais estivessem abaixo da taxa de crescimento do PIB. Nesse caso, bastaria que os governos não registassem défices primários elevados para que o rácio Dívida Pública/PIB sofresse uma erosão com a passagem do tempo. No entanto, esta teoria é discutível uma vez que, na prática: i) as taxas de juro podem subir, ii) é expectável que os governos tenham maior dificuldade em controlar os défices após a crise (potencial aumento de despesas de saúde e efeito dos estabilizadores automáticos num ambiente de fraco crescimento económico), iii) e poderemos ter degradação das perspetivas de crescimento económico. É nossa opinião que os Estados da Zona Euro não se encontram de todo enquadrados nesta abordagem e que poderão ter de recorrer a alguma forma mais dolorosa de redução de endividamento. A situação será mais grave nos Estados que não controlam a sua política monetária (leia-se incapacidade de impressão de moeda própria) e onde as perspetivas de crescimento económico eram já frágeis.
Dado o expectável aumento do endividamento decorrente da atual crise, não podemos excluir a hipótese de surgimento de novas formas de “repressão financeira” que poderão tomar a forma de caps nos níveis de taxas de juro e na obrigação das instituições financeiras investirem parte das suas carteiras em dívida pública. Este tipo de medidas não serão isentas de repercussões negativas futuras.
Adicionalmente, o pacote de 540 mil milhões de euros acordado pelo Eurogrupo fica aquém do necessário em termos de resposta fiscal. Os estados membros poderão recorrer através do Mecanismo de Estabilidade Europeia (MEE), onde serão criadas linhas de crédito num total até 240 mil milhões de euros e ao qual cada país pode recorrer apenas até um máximo de 2% do seu PIB, para financiar “despesas direta e indiretamente ligadas à saúde, cura e prevenção do vírus”. As divergências que ainda subsistem entre os diferentes países da União ficaram bem patentes ao longo do processo negocial. Os países do Sul tentaram apelar à implementação de eurobonds, mas encontraram forte oposição dos seus parceiros a Norte, nomeadamente Alemanha e Holanda.
A resposta fiscal do Eurogrupo ficou muito aquém do necessário
Tendo em conta o ambicioso programa de QE, levado a cabo nos últimos anos, que levou à expansão no balanço do BCE, para um valor superior a 42% do PIB da Zona Euro, e à descida das taxas de juro para valores negativos, diríamos que existem grandes dúvidas quanto à eficácia marginal da política monetária para lidar com a atual situação.
De qualquer forma, o BCE, para além das compras mensais de 20 mil milhões de euros que já estava a realizar antes da crise, anunciou um envelope adicional de compra de ativos de 120 mil milhões de euros, seguido de um pacote de 750 mil milhões de euros denominado Pandemic Emergency Purchase Program (PEPP).
Nas últimas semanas, o BCE tem acelerado o ritmo de compras do PEPP, para cerca de 25 mil milhões de euros por semana, o que a manter-se levaria ao término do programa já em outubro. Nesse sentido, a reunião do BCE, no passado dia 30 de abril, gerou alguma desilusão pelo facto do Banco Central não ter revisto em alta o montante do PEPP, embora tenha admitido estar preparado para fazê-lo caso seja necessário. Na ausência de uma resposta fiscal mais efetiva, os mercados ainda depositam esperança na atuação do BCE para evitar o surgimento de tensões ao nível da dívida soberana. No entanto, tal como se observa no gráfico abaixo, o spread entre as yields italianas e alemães, a 10 anos, situa-se acima do nível anterior à pandemia, apesar das compras de dívida do BCE e do abrandamento no número de infeções em Itália.
O spread entre os juros italianos e alemães a 10 anos situa-se acima do nível anterior à pandemia
Para agravar a situação, o Tribunal Constitucional alemão decidiu na semana passada que algumas medidas do BCE relativas ao programa de aquisição de dívida pública, lançado em 2015, violam parcialmente o quadro constitucional alemão.
Os juízes não acolheram a queixa de 1750 alemães de que o programa, lançado em 2015, Public Sector Purchase Program (PSPP) violasse a proibição de financiamento monetário do orçamento dos estados membros, mas consideraram que existe uma violação do princípio da proporcionalidade também inscrito no Tratado de funcionamento da União Europeia. Assim sendo, consideram que o BCE infringiu o princípio da proporcionalidade, que estipula que o conteúdo e o âmbito da ação da EU não devem exceder o necessário para alcançar os objetivos dos tratados.
O Tribunal Constitucional alemão fez um ultimato, de 90 dias, ao BCE para clarificar o âmbito do PSPP, que tinha sido reativado em novembro do ano passado. Caso não haja esclarecimento da questão da proporcionalidade, o banco central alemão terá de abandonar a participação no programa.
Apesar da decisão dos juízes alemães não se aplicar ao programa Pandemic Emergency Purchase Program (PEPP), acaba por colocá-lo em risco. Na deliberação, o Tribunal Constitucional alemão usa a argumentação do próprio Tribunal Europeu de Justiça para lembrar que há uma lista de condições dos programas do BCE que devem ser verificadas:
- o volume de compras deve ser limitado a priori; as compras por cada banco central nacional devem ser limitadas à chave de capital que esse banco tem no BCE;
- o BCE não pode comprar mais de 33% do total de títulos de dívida de um país do euro; e
- as obrigações só poderão ser adquiridas no caso do emitente ter uma determinada qualidade de crédito.
Ora o PEPP claramente não cumpre estas condições, abrindo espaço para novos desafios legais.
No curto prazo, a esta decisão do Tribunal alemão não deverá impedir o BCE de aumentar as compras de ativos, em 2020, até porque eventuais desafios legais ao PEPP deverão demorar a efetivar-se no tempo. De qualquer forma, no longo prazo, esta decisão significa um aumento da incerteza legal e uma ameaça à União Monetária. O Tribunal Constitucional alemão colocou em causa a independência do BCE e a autoridade do Tribunal de Justiça da UE. A decisão abre espaço para o surgimento de desafios legais noutros Estados Membros ou abrangendo outros programas de atuação. A capacidade de execução do BCE poderá ser prejudicada no futuro, podendo comprometer a necessária defesa da união.
A par de tudo isto, convém começar a fazer uma breve análise sobre os mais recentes dados económicos divulgados para a Zona Euro e que apontam para uma forte contração da atividade.
No primeiro trimestre deste ano, o PIB da Zona Euro terá recuado 3,8%, face ao trimestre anterior, abaixo da estimativa de consensus de -3,5%. Tendo em conta que nas principais economias os confinamentos só foram iniciados entre 10 a 22 de março, é expectável uma queda mais acentuada da atividade económica no segundo trimestre. A economia francesa registou o maior recuo trimestral, 5,8%, enquanto que a Áustria apresentou o melhor desempenho, com uma queda de 2,5%. Tendo em conta o acréscimo de dificuldade em estimar a atividade económica, em contexto de confinamento, é natural que estes valores venham a ser revistos por larga margem.
O PIB da Zona Euro terá recuado 3,8% no 1º trimestre
Em março, a produção industrial na Alemanha diminuiu 9,2%, em base mensal, abaixo da expectativa de consensus de -7,5%. A variação registada corresponde à maior queda mensal da produção alemã desde que a série de dados foi iniciada, em 1991. De salientar, a redução de 31,1% na categoria de automóveis. Certamente que, em abril, será registada uma queda ainda mais acentuada em função dos efeitos do confinamento. A Associação de Fabricantes Automóveis divulgou uma produção de apenas 10.900 veículos, no mês de abril, o que compara com um valor de 400.000 num mês típico antes do surgimento da pandemia.
As vendas a retalho na Zona Euro, em março, registaram uma queda abrupta, de 11,2% (em base mensal). O crescimento das vendas na categoria de bens alimentares não foi suficiente para contrariar as quedas nas restantes categorias. O índice de confiança do consumidor, medido pela Comissão Europeia, registou uma queda a pique, no mês de abril, o que deixa antever um recuo no consumo semelhante ao verificado na crise de 2008-09.
A queda noconsumo deverá ser semelhante à crise 2008-09
Por último, a taxa de desemprego na Zona Euro, em março, subiu apenas de 7,3% para 7,4%. Esta variação deveu-se em parte à queda na taxa de desemprego em Itália, de 9,3%, em fevereiro, para 8,4%, em março. O Eurostat veio alertar para o facto dos números avançados serem estimativas baseadas na definição padrão de desemprego, que inclui como desempregados pessoas que estão ativamente à procura de um novo trabalho há 4 semanas e disponíveis para começar num prazo de 2 semanas, o que atualmente não podem fazer devido ao confinamento. Desta forma, a observação da taxa de desemprego não permite tirar ilações sobre a verdadeira situação atual do mercado de trabalho na Zona Euro.
Em suma, é nossa convicção que, apesar da resposta em termos de política fiscal e monetária, a Zona Euro deverá registar uma recuperação lenta. A nossa opinião é sustentada nos vários fatores mencionados na presente nota, os quais, no seu conjunto, deverão trazer enormes desafios à União nos próximos anos.