Weekly Note
Fed mantém a sua política de taxas de juro positivas
Sixty Degrees faz uma comparação com a Zona Euro e o Japão
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Nas últimas semanas, temos assistido a uma discussão em torno da possibilidade de virmos a assistir a taxas de juro negativas nos EUA. Contudo, na passada quarta-feira, o Presidente da Reserva Federal (Fed) veio novamente rejeitar a implementação de taxas de juro negativas enquanto medida de estímulo monetário. Jerome Powell afirmou: “a posição do Fed sobre taxas de juro negativas não se alterou. Não é algo que a Fed esteja a ponderar”. De recordar que, em março, a Fed cortou as taxas de juro de referência por duas vezes, num total de 1,5 pontos percentuais, para um intervalo entre 0% e 0,25%.
No mercado, os contratos futuros preveem taxas de juro negativas nos EUA no início de 2021
Durante este mês, os contratos de futuros começaram a descontar a possibilidade da existência de juros negativos, nos EUA, já em janeiro do próximo ano. Após as declarações de Powell, essas expectativas refrearam-se, mas ainda assim ficaram em território negativo, tal como se pode observar no gráfico abaixo.
Em geral, os efeitos supostamente positivos das taxas de juro negativas têm vindo a ser cada vez mais questionados. A título de exemplo, em setembro de 2019, o CEO do Deutsche Bank veio afirmar que as taxas de juro negativas iriam arruinar o sistema financeiro. Em agosto de 2019, o BIS (Bank of International Settlements) publicou um relatório intitulado “Unconventional Policy and the Effective Lower Bound” cujos autores concluem que a descida das taxas de juro para valores negativos não é uma medida necessária, deixando transparecer os seus receios sobre esta matéria. De facto, a verdade é que já em plena crise pandémica, os bancos centrais que já tinham fixado taxas de juro negativas no passado, nomeadamente o BCE, o Banco do Japão e o Banco da Suíça, optaram por não descer mais os seus níveis de referência. No que respeita aos restantes, de referir que o Banco Central da Dinamarca até subiu os juros enquanto o Banco Central da Suécia (Riksbank) bem como o Banco da Austrália (Reserve Bank of Australia) recusaram implementar taxas negativas. Na Noruega, o Norges Bank estabeleceu zero como o limite mínimo para a sua política de taxas de juro. Já o Banco do Canadá fixou esse mesmo limite em 0,25%.
Ao longo dos últimos anos, o Fed tem resistido a adotar taxas de juro negativas apesar de algumas vozes internas terem sido defensoras desta medida. Mais recentemente, o banco central também tem resistido às pressões da Administração Trump nesse sentido.
De salientar que, em novembro de 2013, Larry Summers, antigo Secretário do Tesouro Americano e antigo reitor da Universidade de Harvard, proferiu um discurso num seminário promovido pelo FMI defendendo a utilização de taxas de juro negativas. Summers argumentou que, nos últimos 50 anos, a Fed tinha procedido a cortes de taxas de juro para impulsionar o crescimento económico em períodos de pós recessão. Nesse sentido, defendeu que, após a crise financeira de 2007-2009, as taxas de juro deveriam ser negativas por forma a penalizar a poupança e estimular o investimento, criando as condições para pleno emprego. Summers acreditava que a subida/descida das taxas de juro iria impactar e gerir a procura agregada e dessa forma conduzir a economia e “anular” os ciclos económicos. Aparentemente, também parece acreditar que os governos conseguem manipular as suas sociedades para criar uma Utopia.
Ora a experiência das regiões que enveredaram por esta medida de taxas de juro negativas não tem sido benéfica. O BCE adotou taxas negativas, em 2014, tendo sido seguido pelo Banco do Japão, em 2016. Ambos falharam no objetivo de estímulo económico e de alcance de uma recuperação sustentada do crédito e da economia. Em 2019, a Zona Euro registou um crescimento económico de apenas 1,2% (Alemanha 0,6%) versus 2,3% nos EUA.
Contrariamente à visão de Larry Summers, não existe evidência de que taxas de juro negativas funcionem como estímulo económico. A ideia de que o embaratecimento total do dinheiro conduz a um aumento da procura, por si só, não é válida. Para que os agentes tomem emprestado, para além do nível absoluto das taxas de juro, o que releva é a diferença entre estas e a expectativa de retorno ou lucro no futuro. Assim sendo, na Zona Euro, a ausência de confiança no futuro não possibilitou o funcionamento do mecanismo de transmissão para o setor privado e para o consumidor. As subidas de impostos e o forte aumento da regulação também não ajudaram.
Os bancos centrais, em especial aqueles que já fixaram taxas de juro negativas, deparam-se atualmente com um contexto de “Zero Lower Bound”, ou seja, encontram-se “armadilhados” no sentido em que o uso da política monetária como instrumento de equilíbrio já não é capaz de estimular a procura. Adicionalmente, não podem subir as taxas de juro sob pena de despoletarem uma enorme crise nas dívidas soberanas, numa altura em que cerca de 12 biliões de dólares de obrigações apresentam yields negativas.
Desde 2018 que o stock de dívida pública com taxas negativas tem aumentado significativamente
Por outro lado, é já completamente evidente que as taxas de juro negativas atingiram fortemente o negócio dos bancos, penalizando a sua margem e como tal a sua geração de resultados. A título de exemplo, no Risk Assessment Questionnaire da EBA (3T19) pode verificar-se que o Return on Equity (ROE) dos bancos europeus era de apenas 6,6% e está de novo em queda. O sistema financeiro não funciona com taxas de juro negativas e a sua existência tem vindo a contribuir para os problemas do mercado de repo’s.
Outro impacto adverso da política de juros negativos está relacionado com a viabilidade futura dos fundos de pensões e da Segurança Social. Os patrimónios estão maioritariamente investidos em divida pública “segura”, cujas yields negativas dificultam a obtenção de uma taxa de retorno suficiente para garantir a sustentabilidade, de médio e longo prazo, destes planos.
Nos EUA, existem ainda mais algumas razões especificas que desaconselham a implementação de taxas de juro negativas. No sistema americano, a remuneração dos depósitos de reservas excedentárias junto do Fed não é aplicada à totalidade das instituições financeiras, deixando de fora entidades como Fannie Mae, Freddie Mac e Federal Home Loan Banks. Deste modo, num cenário de taxas negativas, ou seja, de cobrança sobre reservas excedentárias, estas mesmas instituições, no sentido em que ficariam isentas, poderiam beneficiar de uma oportunidade de arbitragem, pedindo emprestado aos bancos em troca de um juro muito reduzido.
Recentemente o Fed viu-se obrigado a lançar uma linha de Money Market Mutual Fund Liquidity Facility (MMLF) por forma a fazer face aos pedidos de resgate dos fundos de investimento de mercado monetário. No âmbito da crise pandémica, os investidores procuraram liquidez através da venda de títulos do Tesouro de curto prazo, o que obrigou a Fed a intervir precisamente para manter as condições de financiamento da economia. Num cenário hipotético de yields do Tesouro negativas, a situação seria ainda mais grave, originando pedidos de resgate superiores e exigindo uma intervenção da Fed ainda mais musculada.
Em suma, a Sixty Degrees considera que o BCE e o Banco do Japão falharam os objetivos preconizados pela política de taxas de juro negativas. Desta forma, parece-nos desaconselhável que os EUA venham a adotar tal medida, sob pena de, em caso de estagnação económica à la Japão, colocarem em causa a credibilidade e confiança na Fed. As várias linhas de financiamento anunciadas pelo Banco Central americano, nomeadamente as que se destinam ao apoio direto ao crédito às empresas, deverão revelar-se muito mais eficazes no combate à crise pandémica do que qualquer eventual descida de taxas de juro.