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A Nova Rota da Seda da China

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A Weekly Note desta semana foi escrita por Nuno Loureiro (LinkedIn), vencedor do concurso Champion Chip 2020 organizado pela Católica Porto Investment Club (onde a Sixty Degrees foi patrocinador oficial) e finalista do curso de Gestão na Faculdade de Economia da Universidade do Porto.

“A China é um leão adormecido. Deixem-na dormir, pois quando acordar o mundo tremerá.” Estas são as palavras de Napoleão Bonaparte que há mais de 200 anos reconhecia o impacto que a China poderia ter na ordem mundial se assim entendesse. E, 200 anos depois, as suas palavras parecem ganhar vida na forma da Belt and Road Initiative.

A Nova Rota da Seda da China (Belt and Road Initiative) é um projeto de política internacional chinês, lançado em 2013, que procura ligar a Ásia, a Europa e a África através da promoção do desenvolvimento económico e da cooperação entre os países parceiros. Até à data, este projeto conta com a participação de mais de 70 países, onde reside mais de 65% da população mundial e que representam mais de um terço do PIB global.

Para o efeito, e à semelhança da histórica “Rota da Seda”, uma rede de rotas comerciais que ligavam a China ao mediterrâneo, o atual projeto está dividido entre um “cinto” (belt) de corredores terrestres e uma “estrada” (road) de rotas marítimas, totalizando um conjunto de 6 corredores económicos.

Um cinto (terrestre) uma estrada (marítima)
Fonte: OECD research from multiple sources, including: HKTDC, MERICS, Belt and Road Center, Foreign Policy, The Diplomat, Silk Routes, State Council Information Office of the People’s Republic of China, WWF Hong Kong (China)

O “cinto”, denominado Silk Road Economic Belt, representa os investimentos feitos em infraestruturas terrestres, nomeadamente caminhos de ferro e autoestradas, e a “estrada”, a 21st Century Maritime Silk Road, representa os investimentos feitos em infraestruturas de suporte ao comércio e transporte marítimo. No entanto, nenhuma das iniciativas se esgota nos investimentos em infraestruturas físicas, (hard infrastructure), como portos marítimos e redes de telecomunicações, uma vez que também se procura estabelecer acordos de comércio entre as diversas regiões e estabelecer serviços de suporte (soft infrastructure), nomeadamente tribunais que regulem conflitos relacionados com este projeto.

Motivações estratégicas da China

Na sua génese, este projeto surge das necessidades veementes de investimento em infraestruturas que são sentidas um pouco por toda a Ásia e que constrangem o crescimento económico da região. Neste contexto, a China coloca-se na posição do credor acessível através do qual estes países podem financiar as tão necessitadas infraestruturas. Até 2030, estima-se que o continente asiático necessite de cerca de 26 biliões de dólares de investimento em infraestruturas, dos quais 1 bilião poderá advir deste projeto.

Quem observa pela primeira vez este projeto, poderá não se aperceber de imediato das razões que levam a China a investir tanto nos mercados internacionais. No entanto, um olhar mais atento permite facilmente concluir que as vantagens são inúmeras.

Em primeiro lugar, e uma vez que grande parte deste investimento é realizado através de empresas de construção chinesas, este projeto serve como um instrumento para escoar os excessos de capacidade existentes na China. Até à data, as empresas chinesas já asseguraram mais de 300 mil milhões de euros em contratos de construção incluídos em projetos relacionados com esta iniciativa. Para além disso, trata-se de uma forma da China penetrar mercados com consumidores economicamente aptos para se tornarem clientes das suas empresas, expandindo desta forma o seu mercado natural. Esta vantagem é tanto mais relevante, tendo em conta a imposição de tarifas por parte dos EUA e da Europa, pois poderá captar mercados alternativos para onde exportar e crescer. De facto, a China não será capaz de manter a suas elevadas taxas de crescimento económico sem uma nova abordagem à captação de parceiros comerciais.

Além disso, este projeto poderá aumentar consideravelmente o alcance diplomático e o poder de coerção chinês. Os laços entre a China e os países aderentes irão estreitar-se, aumentando a sua influência sobre as decisões alheias no palco internacional, seja ao nível da OMC, da ONU, ou de outras instituições e organismos internacionais. Os chineses procuram assim preencher o vácuo de poder, que se está a formar no panorama global, aberto pelo isolamento dos EUA ao nível dos assuntos globais.

Uma forma de materialização deste aumento de poder e influência é visível nas garantias, dadas pelos diversos estados soberanos à China, com o objetivo de contraírem elevados montantes de financiamento. Estas garantias consubstanciam-se muitas vezes em direitos de utilização concedidos à última hora que, em caso de incumprimento, permitem o controlo de infraestruturas chave, como portos marítimos, de países com posições estratégicas dentro do palco mundial. De facto, muitos destes investimentos são efetuados em infraestruturas capazes de acomodar uma presença militar que, em locais estratégicos, se poderão revelar extremamente úteis. Neste sentido, o projeto tem sido alvo de algumas críticas, que o apelidam de “imperialismo económico”, por concederem à China um poder significativo sobre países mais pequenos e mais pobres.

Outra vantagem do projeto, para a China, é o facto de potenciar a chamada debt-trap diplomacy, uma estratégia que procura garantir concessões estratégicas destes países em troca de financiamento. Um exemplo claro desta estratégia, é a concessão, por parte do Tajiquistão, de 1,158 quilómetros quadrados de território disputado à China em troca de um perdão de dívida de montantes desconhecidos.

Preocupações e críticas internacionais

O projeto tem, contudo, sido alvo de críticas e de preocupações expressas. Em primeiro lugar, conta-se a capacidade de os países suportarem os seus serviços de dívida que estão a aumentar no âmbito do projeto. Por exemplo, o Sri Lanka, perante a possibilidade de não conseguir fazer frente a todos os compromissos que tinha assumido, e numa tentativa de evitar o colapso económico, cedeu 70% da propriedade de um porto de águas profundas à China em troca de um alívio da dívida.

Esta situação torna-se ainda mais premente tendo em conta a situação pandémica que vivemos e cujos impactos económicos já levaram o Fundo Monetário Internacional a estimar uma contração do PIB mundial, em 4,9%, e do PIB da Zona Euro na ordem dos 10,2%, em 2020.

Em adição, estes países também se sujeitam a um grau de dependência enorme face à China no que toca à dívida pública. Em alguns países, como o Laos, o Paquistão e o Djibouti, as dívidas à China totalizam mais de 50% do total das suas dívidas soberanas.

Fonte: Center for Global Development

Considerando todas as vertentes, facilmente percebemos que esta iniciativa vai muito além de estradas e portos marítimos, representando um veículo de transmissão dos valores e da cultura chinesa para outros países, um meio de criar instituições e definir regras de atuação que salvaguardem os seus interesses, e desta forma alterando a soft infrastructure, referenciada anteriormente, dos países aderentes.

Por outro lado, na busca do investimento e do desenvolvimento, as preocupações ambientais e socias são muitas vezes postas de lado, uma vez que são tomadas como entraves ao desenvolvimento com custos elevadíssimos que, por isso mesmo, são ignorados. Além disso, o modo como estes investimentos são prosseguidos também é questionável, sendo em muitos casos adotada uma postura de pressão sobre os países anfitriões, forçando-os a aceitar, por exemplo, subornos.

Assim sendo, apesar das vantagens serem imensas para os dois lados do espectro, a verdade é que este projeto também tem associado uma série de preocupações, especialmente no que diz respeito à sua sustentabilidade, tanto a nível económico, como a nível social e ecológico.

A Europa e a Nova Rota da Seda

Uma parte integrante da Belt and Road Initiative é a maior ligação que será estabelecida entre a China e a Europa, à semelhança da antiga Roda da Seda. Esta ligação será potenciada pelos projetos de infraestruturas que estão planeados para o Velho Continente, com especial enfoque nos portos marítimos e nas ligações ferroviárias.

Países europeus envolvidos no Belt and Road Initiative
Fonte: Asia Briefing Ltd.

Assim sendo, seria de esperar que a Europa participasse ativamente neste projeto, tendo em conta (i) as necessidades de investimento existentes no continente, em especial no países do Sul e de Este; (ii) a perda de um importante parceiro europeu na forma do Brexit; (iii) as tensões comerciais sentidas com os EUA. Contudo, o que verificamos, até à data, é uma certa recusa da União Europeia em aceitar este projeto, fazendo com que as empresas europeias tenham recolhido poucos benefícios do mesmo. De facto, muitos dos projetos da Belt and Road Initiative na Europa foram alvo de elevadas críticas por parte da União Europeia, uma vez que não respeitam as diretrizes de Bruxelas no que toca à seleção das empresas para projetos de infraestruturas ou ao impacto ambiental destes mesmos projetos, e a grande ligação entre estas empresas e a República Popular da China.

Dentro da vertente europeia, um dos maiores focos de Pequim é o desenvolvimento do comércio no Mediterrâneo, usando a ligação existente entre o Oceano Índico e o Mediterrâneo, através do Canal de Suez, cuja capacidade foi recentemente aumentada para o dobro. Deste modo, a China procura substituir as rotas do Pacífico, que lhe permitem atingir os mercados europeus, em favor desta rota alternativa. Assistimos, assim, a uma transformação do tráfego marítimo a nível mundial. Se, em 1995, 53% do tráfego global era controlado pelas rotas trans-pacíficas e apenas 27% pelas rotas do Mediterrâneo e do Canal Suez, em 2015 o panorama tinha-se alterado, com as primeiras a representar 44% do tráfego global e as segundas 42%. Para suportar este crescimento na rota do Mediterrâneo, a China procura expandir os portos marítimos, como o de Piraeus na Grécia, e as subsequentes ligações terrestres necessárias, nomeadamente as ferroviárias, que assegurarão a ligação destes portos ao resto do continente europeu.

Para melhor se posicionar para a expansão neste continente, a China escolheu a Itália, o primeiro país-membro dos G7 a integrar a iniciativa, para servir de plataforma a esta expansão.

A Itália como plataforma de expansão europeia

E porque é que a Itália aceitaria integrar este projeto?

Bom, vamos olhar para os factos. A Itália apresenta um dos maiores stocks de dívida pública do mundo, representando aproximadamente 134% do PIB; uma taxa de crescimento do PIB baixa que, graças à pandemia da Covid-19 e de acordo com o FMI, se espera ser de -12,8% em 2020; e fortes necessidades de investimento. Adicionalmente, neste panorama de contração, a Itália não parece conseguir encontrar ajuda numa Europa dividida, que não parece sequer conseguir definir atempadamente um programa de apoio económico aos países mais afetados pela pandemia da Covid-19.

Dívida Pública – Itália (% PIB) | Fonte: Tradingeconomics.com | National Institute of Statistics (ISTAT)
Taxa de Crescimento do PIB – Itália (%) | Fonte: Tradingeconomics.com | National Institute of Statistics (ISTAT)

Neste contexto, não é difícil perceber a atratividade da Belt and Road Initiative que, prometendo trazer milhares de milhões de euros em investimentos para o país, apresenta-se como uma oportunidade para a Itália sair deste ciclo de estagnação. Nos últimos 5 anos, as empresas chinesas foram responsáveis por cerca de 13 mil milhões de euros em investimentos.

De facto, a influência da China já começa a ser sentida em Itália. O Banco Popular da China adquiriu participações, de mais de 2%, em várias empresas públicas italianas, nomeadamente a ENI, Fiat-Chrysler e a ENEL, e em quatro portos italianos. No setor da energia, várias empresas também foram alvo de investimentos chineses e há planos para a rede de telecomunicações 5G ser desenvolvida pela gigante tecnológica Huawei, num investimento que totaliza mais de 2,5 mil milhões de euros. Tudo isto leva a que comecem a existir grandes preocupações, ao nível da segurança nacional italiana, num panorama de controlo chinês em quase todos os setores chave da sua economia.

Considerações Finais

Em jeito de conclusão, o Belt and Road Initiative é um dos maiores projetos de investimentos da história recente, comparável até certo ponto ao Plano Marshall do pós 2ª Guerra Mundial. Com este projeto, a China pretende promover a coesão e o desenvolvimento económico dos países que dele fazem parte, ao mesmo tempo que expande a sua esfera de influência num mundo cada vez menos unipolar. A sua influência passa assim a ter uma escala comparável à dos EUA, procurando estabelecer-se nos continentes asiático, africano e europeu, combatendo a hegemonia cada vez mais ameaçada dos EUA.

No caso da Europa, o surgimento deste projeto veio polarizar uma Europa já dividida, levando aqueles países que se sentem mais “abandonados” a aceitar este projeto de braços abertos, como o caso da Itália, e outros que, não sendo ainda parte integrante da União Europeia, ponderam seriamente optar pelo projeto da Eurasia.

A Weekly Note desta semana foi escrita por Nuno Loureiro (LinkedIn), vencedor do concurso Champion Chip 2020 organizado pela Católica Porto Investment Club (onde a Sixty Degrees foi patrocinador oficial) e finalista do curso de Gestão na Faculdade de Economia da Universidade do Porto.

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