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Moedas digitais

Sixty Degrees analisa potencial evolução do sistema monetário

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Os últimos anos têm sido marcados pela denominada Revolução FinTech que se caracteriza pela digitalização transversal do quotidiano das pessoas, da forma como as empresas gerem os seus negócios e como os países são governados. No decurso deste boom tecnológico, temos vindo a assistir a mais uma evolução na história do dinheiro, no sentido em que é cada vez mais na forma digital, em detrimento do dinheiro físico cuja procura, segundo o FMI, está em declínio em vários países. Como tal, é expectável que, na próxima década, seja possível que o dinheiro em espécie venha mesmo a desaparecer. O surgimento da pandemia de covid-19 parece ter vindo acelerar este fenómeno, já que os confinamentos reduziram naturalmente o uso de dinheiro físico nas transações diárias e criaram o receio de que este seja um veículo de propagação do vírus.

Estima-se que o continente asiático e australiano apresentarão as maiores taxas de crescimento nos próximos anos
Fonte: Mordor Intelligence

Neste contexto, importa refletir sobre qual poderá ser a próxima evolução no sistema monetário mundial, bem como perceber qual vai ser o papel dos governos e dos bancos centrais neste novo quadro de digitalização da moeda. Em primeiro lugar, o caminho mais óbvio parece ser a emissão de moeda digital por parte dos bancos centrais. Este avanço será absolutamente necessário para garantir que os governos retêm o seu poder sobre a moeda, algo que se tornou ainda mais premente no atual cenário de crise soberana, dada a necessidade de cobrança de impostos.

De facto, o FMI já deu sinais explícitos de que este poderá ser o caminho a seguir. Em novembro de 2018, no Singapore Fintech Festival, a então Presidente do FMI, Christine Lagarde, foi perentória ao afirmar que os bancos centrais deviam considerar a possibilidade de emitir a sua própria moeda digital, a qual seria um passivo dos estados. Lagarde mencionou que vários bancos centrais já estariam a considerar avançar com tais projetos, nomeadamente a China, o Canadá, a Suécia e o Uruguai.

No cenário referido, em que os países terão a sua própria moeda digital, poderá deixar de haver lugar para as criptomoedas privadas (como a BitCoin, a Ethereum, a Ripple etc.). De facto, os governos não deverão permitir a existência dessa concorrência e sobretudo não deverão tolerar que exista uma forma de escapar à cobrança dos seus impostos. A existência das criptomoedas privadas e o seu crescimento representam, em si mesmo, um desafiar do poder dos governos e como tal estes vão acabar por considerá-lo inaceitável e chamar a si o controle efetivo da moeda. De salientar que as criptomoedas privadas não são aceites para o pagamento de impostos e não apresentam vantagens em termos de reserva de valor, dada a sua elevada volatilidade. É nosso entendimento que os governos poderão facilmente terminar as criptomoedas privadas alegando a existência de atividades ilegais em seu torno, o que aliás já se passou, em 2017, quando o governo chinês optou pela sua proibição parcial.

As principais criptomoedas privadas valorizaram, desde 2019/01, mais de 300% face (Bitcoin, Ethereum) e mais de 140% (ZCash) face ao dólar norte-americano
Fonte: Bloomberg | Legenda: Bitcoin (XBTUSD Curncy); Ethereum (XETUSD Curncy); ZCash (XZCUSD Curncy)

A evolução no sentido da existência de moedas digitais, ao nível de cada país, serve bem o propósito de cobrança crescente de impostos, tão desejada por um grande número de governos à volta do mundo. Na Europa, o incentivo é ainda mais premente, após o falhanço das políticas de Quantitative Easing e de taxas de juro negativas do BCE. A digitalização da moeda tem como objetivos impedir o fenómeno de entesouramento (de dinheiro físico) e tornar a tributação dos indivíduos e das empresas ainda mais eficiente. Neste sentido, convirá relembrar a aplicação da diretiva da EU (2016) que visa a abertura de contas bancárias para todos os cidadãos europeus.

As moedas digitais de bancos centrais decerto trarão variadas implicações. Uma vantagem poderá ser o aumento da transparência sobre a proveniência do dinheiro em circulação no sistema bancário, reduzindo a incidência de crimes de lavagem de dinheiro e outros delitos financeiros. A inclusão financeira poderá ser outra vantagem, já que as populações mais rurais e/ou mais pobres poderão passar a ser servidas financeiramente, quando antes não eram contempladas pelos bancos privados. Por outro lado, em termos negativos, coloca-se a questão da perda total de privacidade dos diversos agentes económicos privados. Levantam-se também interrogações ao nível da estabilidade financeira, pois se as moedas digitais forem muito semelhantes aos depósitos bancários, estes poderão ver diminuída a sua atratividade. O FMI mencionou a possibilidade de serem constituídas parcerias público-privadas, em que o banco central chamaria a si a liquidação das transações, mas o setor bancário poderia ficar responsável pela interfacecom o cliente e pela inovação dos serviços.

Os bancos centrais podem adotar diferentes formas de envolvimento e de responsabilidades na criação de uma moeda digital
Fonte: Roberto Giori Company | IMF Working Paper – A Survey of Research on Retail

Há ainda considerações tecnológicas muito importantes, nomeadamente tendo em conta a questão da segurança. Uma moeda digital de um banco central acarreta riscos de segurança muito distintos das criptomoedas privadas. Ataques cibernéticos por parte de outros estados serão um risco efetivo. A infra-estrutura de uma moeda digital de um banco central será uma questão de segurança nacional.

Cenários de risco da moeda digital de um banco central (CDBC)
Fonte: Alwazir and Khan (2020) | IMF Working Paper – A Survey of Research on Retail

Historicamente, a moeda com estatuto de reserva tem sido sempre a moeda emitida pela potência económica dominante em cada momento. A história do dinheiro está por isso estritamente ligada à de ascensão e queda de impérios, nações e cidades estado. Em 2019, o dólar representou 90% das transações internacionais e 60% das reservas em moeda estrangeira. Como tal, importa questionar até que ponto o avanço na direção das moedas digitais poderá alterar o sistema monetário mundial e eventualmente ditar o fim do estatuto de reserva do dólar.

É sabido que tanto a China como a Rússia se opõem à manutenção do dólar enquanto moeda de reserva. Certamente apoiariam um novo sistema monetário em que a moeda americana deixasse de ser a referência. No rescaldo da crise financeira global, de 2008, surgiram vários apelos à necessidade de criar um novo sistema monetário internacional, nomeadamente aquele que foi vinculado pelo então Presidente francês, Nicolas Sarkozy, que concluía pela necessidade de se repensar todo o sistema existente.

De facto, a transição para as moedas digitais nacionais poderá desencadear uma pressão para substituir o dólar enquanto moeda de reserva. Essa pressão deverá advir das várias potências mundiais, que ao desenvolverem as suas próprias moedas digitais tornar-se-ão mais independentes do atual sistema, nomeadamente do sistema SWIFT (Society for Worldwide Interbank Financial Telecommunication), monitorizado de perto pelos EUA. As novas moedas digitais abrirão portas ao comércio bilateral, sem ingerência de política externa.

Na China, os avanços nesse sentido parecem prosseguir a bom ritmo. Em 2014, o Banco Popular da China (PBC) anunciou oficialmente o desenvolvimento de uma moeda digital, o e-RMB, no âmbito do projeto designado Digital Currency / Electronic Payments project. Em agosto de 2019, o PBC divulgou um plano para efetuar o rollout da moeda no espaço de 3 anos. Já em abril deste ano foram iniciados testes em várias cidades incluindo Shenzhen, Suzhou e Chengdu. O e-RMB foi formalmente adotado nestas cidades, com alguns funcionários públicos a receber salários na moeda digital. O e-RMB poderá ser assim a primeira moeda digital oficialmente criada por uma grande potência. A nova moeda digital deverá facilitar a internacionalização do yuan, facilitar o comércio bilateral, eventualmente sem necessidade de recorrer ao sistema bancário, contornando o SWIFT e como tal sem a ingerência da política externa. Um Changchun, responsável pelo Digital Currency Research Institute, sob a alçada do PBC, terá referido que a plataforma de testes do e-RMB poderá ajudar a China a contornar o SWIFT e o CHIPS (NY Clearing House Interbank Payments System) na liquidação de transações internacionais em renmimbi. Assim sendo, o novo e-RMB servirá para salvaguardar a soberania da moeda, expandir o alcance financeiro da China, eventualmente facilitando a subversão das sanções dos EUA e dificultando a imposição de penas comerciais às empresas chinesas, como a Huawei.

Tal como já referimos em weekly notes passadas, é nosso entendimento que a atual crise soberana em algumas regiões do globo, e em especial na Europa, tem favorecido o dólar enquanto ativo de refúgio. A atual escassez de dólares poderá agravar-se ainda mais nos próximos anos e assim desencadear um rally ainda maior na atual moeda de reserva, que trará enormes desequilíbrios e dificuldades às economias com elevada exposição a dívida denominada em dólares. Será nesse contexto que se tornará mais premente a necessidade de alteração do sistema monetário em vigor.

Curiosamente, em entrevista recente à Bloomberg, Lael Brainard, governadora da Fed, confirmou que o próprio banco central americano tem vindo a desenvolver testes no sentido da potencial criação de um dólar digital. Ao mesmo tempo, deu a conhecer a parceria entre a Fed de Boston e o MIT para o desenvolvimento e construção de uma moeda digital de uso exclusivo para Bancos Centrais.

A solução de futuro poderá assim passar pela criação de um sistema cambial com dois níveis (Two-Tier), onde cada país deverá reter a sua própria moeda (digital ou física), que deverá flutuar contra uma nova Moeda de Reserva Única independente, acima de todas as outras. A moeda de um determinado país não deve servir como moeda de reserva sob pena da política económica seguida a nível doméstico ter implicações em todo o sistema global. O facto do dólar americano ser a atual moeda de reserva, tem muitas vezes obrigado a Fed a atuar em prol das necessidades de política internacional, sacrificando assim o equilíbrio da economia doméstica. É disso exemplo a injeção de liquidez levada a cabo no âmbito da crise no mercado de Repo, iniciada em setembro de 2019, e sobre a qual já tecemos diversos comentários em publicações anteriores. Para que tenhamos um sistema monetário eficiente é imperativo que cada país retenha a sua própria moeda para que em caso de crise a nível nacional não existam efeitos de contágio para a moeda de reserva. Deste modo, cada nação poderá preservar assim a sua soberania e cultura, isolando as questões políticas.

Em suma, a Sixty Degrees considera que a Revolução FintTech em curso deverá alterar a “forma do dinheiro” no sentido da sua digitalização, onde os bancos centrais passarão a emitir moedas digitais nacionais, banindo ao mesmo tempo as criptomoedas privadas. O avanço no sentido das moedas digitais nacionais poderá fazer com que as várias potências mundiais pressionem para uma alteração do sistema monetário atualmente em vigor, nomeadamente para a substituição do dólar enquanto moeda de reserva. A prazo, a própria valorização da moeda americana deverá ser um fator de pressão para essa mudança. Idealmente a solução mais equilibrada seria a criação de um sistema Two-Tier, em que os vários países retivessem as suas moedas nacionais, que flutuariam face a uma Moeda de Reserva Única independente.

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