Weekly Note
Serão as companhias aéreas viáveis?
Sixty Degrees analisa a sustentabilidade operacional do setor
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Com o surgimento e propagação do surto de COVID-19 a todo o mundo, muitos países optaram por tentar conter a pandemia confinando as suas populações e aplicando pesadas restrições às viagens internacionais, em especial com a aplicação de períodos de quarentena a quem chegasse de outro país.
Devido a toda esta envolvente e consequente quebra de confiança, associada à incerteza sobre o próprio bem-estar físico, os consumidores, ainda que legalmente possível, abstiveram-se, no geral, de viajar, ir a restaurantes, a espetáculos ou a qualquer outra forma de entretenimento que implicasse espaços fechados ou grandes aglomerados de pessoas.
As empresas associadas ao sector de Viagens e Lazer foram as que mais sofreram em termos de quebra de receitas, mas também as que mais tiveram de investir para a reabertura, com a pandemia ainda em desenvolvimento, e que mais tempo têm demorado na recuperação das suas receitas.
Nesta weekly note, pretende-se fazer uma pequena reflexão sobre o real impacto destas decisões, sobre a indústria de transporte aéreo de pessoas, e tentar estimar o volume de viagens necessário para que a indústria se possa manter em funcionamento.
Neste sentido, para esta análise, utilizaram-se os seguintes pressupostos:
- Seleção de 6 companhias aéreas de várias geografias
- Análise das rúbricas de custos das 6 companhias aéreas:
- Média simples do peso de cada rúbrica na estrutura total de custos
- Pressupostos de ajustamento devido à pandemia
- Ajuste máximo da estrutura de custos das companhias aéreas no curto prazo
- Conclusões
Seleção de 6 companhias aéreas de várias geografias
Foram selecionadas para a análise a American Airlines, a Lufthansa, a International Consolidated Airlines Group, a RyanAir, a Qantas e a AirChina, visto serem companhias representativas dos vários mercados onde operam.
Análise das rúbricas de custos das 6 companhias aéreas
Da análise da última Demonstração de Resultadosdisponível para cada uma das empresas, agregaram-se os custos nas seguintes rúbricas: Combustível, Salários e Benefícios de Empregados, Amortizações e Depreciações, Vendas e Marketing e Outros Custos (inclui manutenção, taxas de aterragem, custos administrativos e outras rúbricas que são reportadas de modo diferente de empresa para empresa).
Média simples do peso de cada rúbrica na estrutura total de custos
Calculou-se a proporção dos custos de cada empresa face ao total dos seus custos de operação, fazendo-se em seguida o cálculo da média de cada rúbrica.
Pressupostos de ajustamento devido à pandemia
- Combustível – Considerou-se que apenas 80% do custo com combustível é variável. Um avião totalmente cheio ou com uma taxa de ocupação inferior (30%, 50%, 70%) gasta praticamente a mesma quantidade de combustível por viagem. Mesmo otimizando o número de voos e as rotas em funcionamento, uma companhia aérea não conseguirá, no curto prazo, um ajustamento de 100% nesta relação. Exemplo: se o número de passageiros diminuir em 60%, as companhias conseguem diminuir a utilização de combustível apenas em 48%. No cálculo do impacto desta rúbrica foi também considerada a variação entre o preço médio do combustível, em 2019, e o preço médio do combustível, em 2020, utilizando a variação do crude (WTI) como aproximação. Como o preço médio do petróleo WTI, em 2019, foi de 56.99 USD/barril e atualmente cifra-se em 38.41 USD/barril, existe um ajuste adicional de 33% no custo de combustível.
- Salários e Benefícios – Considerou-se que este custo pode ser ajustado, no imediato em 25%, mas que posteriormente é praticamente fixo. Para grandes quebras de receitas, com expectativas de se prolongarem no tempo, uma companhia aérea conseguirá reduzir, no imediato, a sua força de trabalho em 25%. Após esta redução, dificilmente poderia continuar com o mesmo ritmo de redução (como referência, tomou-se o anúncio de redução de trabalhadores da American Airlines que prevê o despedimento de 19.000 pessoas de um total de 86.000 = 22%).
- Amortizações e Depreciações – Custo fixo. Dificilmente as empresas aéreas conseguirão alterar esta rúbrica, de modo célere, pois os contratos de leasing têm cláusulas de penalizações exigentes caso sejam quebrados antes do tempo previsto. Nestas situações, os aviões detidos pelas próprias empresas dificilmente poderão ser vendidos num ambiente em que todas as empresas têm como objetivo diminuir a frota e as as empresas construtoras tem de fazer grandes descontos para vender inventário.
- Vendas e Marketing – Custo fixo que poderá aumentar. Se considerarmos que esta rúbrica envolve os descontos e incentivos aos parceiros, esta poderá aumentar o seu valor nominal, uma vez que as empresas tentarão de algum modo alimentar o ressurgimento da procura, procurando através de campanhas e descontos atrair passageiros. Considerou-se um aumento de 10% nesta rúbrica.
- Outros Custos – Como mencionado, esta rúbrica envolve vários tipos de custos, desde a manutenção, às taxas de aterragem, aos custos administrativos, entre outros. Assim, apesar de alguns destes custos serem variáveis, como as taxas de aterragem, os aviões também terão de pagar o aluguer de espaço para estarem no solo, bem como os meios para acesso dos passageiros aos aviões (handling). Considerou-se que esta rúbrica pode ser ajustada, no imediato, em cerca de 20%.
Ajuste máximo da estrutura de custos das companhias aéreas no curto prazo
A medida standard de receita da indústria é o RPK – Revenue per Passenger per Kilometer. Segundo o último relatório disponível da IATA (International Air Transport Association), com dados de junho de 2020, o RPK total da indústria, apesar de já refletir uma ligeira recuperação do volume dos passageiros aéreos, era 86.5% inferior ao do mês de junho de 2019, como se pode verificar no gráfico seguinte.
Tendo em conta esta quebra (86.5%, implica que apenas 13.5% dos passageiros foram transportados) e os pressupostos enunciados no ponto anterior, qual é o ajuste da estrutura de custos que as empresas conseguirão fazer no curto prazo?
Aplicando os pressupostos descritos no ponto anterior, apresentamos no quadro seguinte os resultados destes ajustes, que poderão servir como aproximação ao corte de custos operacionais máximos que uma companhia aérea conseguirá realizar no curto prazo.
Assim, para uma quebra de procura de 86.5%, o total de redução e custos que se consegue atingir no curto prazo é de apenas 30.2%, considerando a tomada de medidas drásticas como despedir 25% da força de trabalho e desprezando o impacto único, mas imediato, que essas medidas têm em termos financeiros (como indemnizações).
Conclusões
Como é visível nesta simulação, ainda que exista algum erro nos pressupostos aplicados, a quebra na indústria aérea tendo em vista a sua sustentabilidade operacional é demasiado grande. Segundo o relatório da IATA, já anteriormente citado, a quebra de RPK na última crise da aviação, decorrente dos ataques do 11 de Setembro nos EUA, foi de apenas 12%, nos 6 meses seguintes ao ataque, enquanto que nos primeiros 6 meses deste ano, assistimos a uma quebra de 58% neste indicador da indústria de transporte aéreo de passageiros. Com os pressupostos utilizados simulou-se o resultado do corte de custos tendo em consideração vários níveis de quebra de procura:
Caso a recuperação dos níveis de receita para valores perto dos 80% do registado em 2019, mesmo que demore mais de 12 meses, a Sixty Degrees prevê o fecho/fusão de algumas companhias aéreas, bem como reduções no número de rotas (que implicarão cortes adicionais do número de aviões e de trabalhadores). Neste contexto, deverão ser monitorizados alguns indicadores que permitem perceber a retoma do tráfego aéreo, como por exemplo, o número de passageiros sujeitos a controlo de segurança nos aeroportos norte americanos (https://www.tsa.gov/coronavirus/passenger-throughput). Usando os dados mais atuais, divulgados no relatório da IATA de junho de 2020, estimamos que a quebra no número de passageiros nos aeroportos dos EUA, em agosto, ronda os 60% a 75%.
As ajudas já anunciadas, por parte de diversos países, às companhias aéreas parecem ser um forte indicador da convicção generalizada sobre a lentidão da recuperação da rentabilidade da generalidade dos operadores aéreos. Durante o primeiro semestre de 2020, só na União Europeia, 12 países já tinham anunciado várias medidas de apoio às companhias aéreas, que vão desde a concessão de empréstimos com garantia do Estado, à tomada de capital nas empresas, ao deferimento de pagamento de taxas ou mesmo à nacionalização (Alitalia). Operadores totalmente privados, com a Ryanair à cabeça, têm contestado fortemente estas ajudas estatais pelo potencial de distorção do mercado que introduzem.
Todas as medidas podem ser consultadas aqui: https://www.lw.com/thoughtLeadership/covid-19-EU-state-aid-aviation-sector
Além da perda de confiança, em termos de saúde pública, associada à pandemia COVID-19, o confinamento generalizado levou também a uma importante quebra no PIB de praticamente todos os países. Segundo o relatório da IATA sobre a indústria de aviação, do ano de 2019, a evolução do crescimento das receitas tem uma relação direta com o crescimento do PIB mundial. Neste sentido, mesmo que exista uma vacina mas a economia mundial não recupere como um todo, o sector arrisca o prolongamento da crise, com baixas receitas, dificuldade em vender ativos e demasiados concorrentes no mercado devido a subsidiação governamental.
Tendo em conta os resultados obtidos com esta breve reflexão e o enquadramento do setor, a Sixty Degrees não acredita na sustentabilidade operacional das companhias aéreas, sem uma subsidiação extensa por parte dos governos, e estima perdas de receita duradouras superiores a cerca de 20%. Caso essa subsidiação seja suficiente e ampla, a indústria como um todo irá demorar algum tempo a voltar a registar os níveis de rentabilidade recentemente registados, pelo menos até se assistir a uma recuperação generalizada do PIB mundial.