Weekly Note
Economia britânica afunda no segundo trimestre
Breve análise aos indicadores económicos recentes
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No segundo trimestre do ano, a economia britânica registou um desempenho mais fraco do que os seus comparáveis. O PIB, no segundo trimestre, caiu 20,4% face ao trimestre anterior e 21,7% face ao período homólogo do ano passado. Numa base trimestral, o recuo económico do Reino Unido (RU), no segundo trimestre, foi superior ao registado por todos os estados membros da UE e correspondeu a mais do dobro da queda registada pela economia norte americana (-9,5%). Numa base anual, o decréscimo no segundo trimestre só foi suplantado por Espanha, cuja economia contraiu 22,1%.
A economia britânica registou um desempenho muito fraco no 2T20
Numa primeira abordagem poderia colocar-se a hipótese desta underperformance estar sobretudo relacionada com o elevado peso dos serviços na economia britânica. É certo que os serviços representam 80% do produto britânico, mas a sua queda trimestral de 19,9% não diferiu muito da perda de 16,9% na produção industrial, para o mesmo período.
De facto, o fraco desempenho do RU, no segundo trimestre, parece ter sido explicado maioritariamente pela maior duração do confinamento imposto pelas autoridades britânicas. Na Alemanha, o comércio não essencial foi forçado a encerrar durante 50 dias, o que compara com 84 dias no caso do RU. A lentidão na reação das autoridades, aquando do início do surto pandémico, permitiu uma maior propagação do vírus e culminou na imposição de medidas de confinamento de maior duração. No gráfico abaixo, pode observar-se uma medida do grau de restrições impostas nas maiores economias europeias (“Oxford COVID-19 Government Response Tracker”), onde é visível a maior duração e grau das restrições no RU.
As medidas de confinamento no RU foram mais gravosas e prolongadas
Os indicadores mais recentes divulgados para a economia britânica parecem apontar para uma recuperação económica, apesar de ainda subsistirem riscos à sustentação desta aparente retoma. Em julho, o volume de vendas a retalho aumentou 3,6% face ao mês anterior, acima da previsão de consensus que apontava para 2,0%. Numa base anual, o volume de vendas a retalho cresceu 1,4%, em julho, o que compara com um decréscimo de 1,6% no mês anterior. Desde o início do ano, o volume de vendas a retalho no RU ainda apresenta uma queda de 3,7%, face ao período homólogo de 2019.
Em julho, o volume de vendas a retalho cresceu 3,6% em base trimestral e 1,4% em base anual
Existem, no entanto, algumas reservas quanto à evolução futura deste indicador. Em primeiro lugar, porque o mês de julho foi o primeiro período em que o comércio não essencial esteve aberto na totalidade dos dias, o que terá levado as famílias a efetuarem as compras que haviam ficado suspensas no período de confinamento. Por outro lado, a despesa doméstica foi favorecida pelo facto dos cidadãos não terem podido viajar para o estrangeiro durante o período de férias. O índice de confiança do consumidor GfK permaneceu inalterado em -27, no mês de agosto, o que compara com -7, em fevereiro. O valor deste índice sugere que as famílias tenderão a poupar uma maior proporção dos seus rendimentos futuros, em especial para fazerem face à pressão financeira que sobre elas deverá recair quando terminarem as moratórias de crédito disponibilizadas durante o Verão e com fim previsto para outubro.
No que toca à evolução do emprego, alguns indicadores, entretanto divulgados, parecem apontar para uma redução moderada desta variável, apesar de ser natural que a situação se venha a deteriorar nos próximos meses. Segundo o indicador LFS (Labour Force Survey), o número médio de trabalhadores, no segundo trimestre, reduziu-se apenas 0,7% (cerca de 220 mil), face ao trimestre anterior. No entanto, é expectável que a situação se deteriore à medida que as empresas optem por não readmitir alguns dos trabalhadores em layoff, pois os encargos das empresas com estes trabalhadores irão subir fortemente até ao final do ano. Desde o início do mês de agosto, as empresas passaram a fazer as contribuições para a Segurança Social respeitantes a estes trabalhadores. Já no corrente mês, a proporção do salário a cargo das empresas começou a aumentar gradualmente até que o esquema termine completamente no final do ano. O indicador de emprego Markit/CIPS, espelhado no gráfico abaixo, já registou uma descida para 38,7, em agosto, versus 39,6, em julho, o que deixa antever um decréscimo de 1,2% no número de trabalhadores, já no trimestre em curso.
A queda no número de pessoas empregadas poderá acelerar no terceiro trimestre do ano
Por outro lado, o número de pessoas à procura de emprego também deverá registar uma subida, com o regresso ao ativo de todos aqueles que haviam deixado a força de trabalho devido ao impedimento do confinamento. De facto, o número de pessoas inativas, mas que na realidade desejam encontrar um emprego, subiu cerca de 217 mil no segundo trimestre, face ao trimestre anterior. Deste modo, a taxa de desemprego deverá agravar-se nos próximos meses, estimando-se que possa chegar aos 9% no final de 2020.
A taxa de desemprego deverá agravar-se nos próximos meses
Em julho, a taxa de inflação no RU atingiu 1%, uma subida face aos 0,6% registados em junho e o dobro da estimativa de consensus. A subida deveu-se, em parte, ao aumento da inflação nos serviços, que passou de 1,8%, em junho, para 2,1%, no mês de julho. Por um lado, este aumento reflete a retoma na recolha, para efeitos estatísticos, dos preços dos diversos serviços que fazem parte do cabaz, algo que esteve indisponível durante o confinamento e que obrigou à utilização da evolução do preço dos bens para o cálculo da inflação nos meses anteriores. Por outro lado, as empresas de serviços (restauração, cabeleireiros, transportes) implementaram subidas efetivas de preços como forma de compensação pelos custos acrescidos para fazer face às novas exigências do Covid-19. Em agosto, é previsível que tenhamos assistido ao recuo na taxa de inflação devido ao início do programa de descontos na restauração (Eat Out to Help Out), a cargo do governo, e à redução temporária do IVA, de 20% para 5%, no setor de turismo como um todo.
De acordo com o RICS (Residential Market Survey), o indicador de consultas por compradores subiu para +75, em julho, versus +59, em junho, tendo assim registado a taxa de crescimento mais elevada desde o início desta medição, em 1999. Para além disso, a Rightmove reportou uma subida anual de 3,7% dos preços de venda, no mês de julho, correspondendo à taxa de crescimento mais alta desde dezembro de 2019. De referir que, já no decorrer deste trimestre, o governo reviu em alta o valor a partir do qual a compra de habitação seria sujeita a imposto de selo, de 125 para 500 mil libras, tendo contribuído decerto para a aceleração do mercado. No entanto, os bancos não parecem mostrar grande disponibilidade para financiar em pleno os potenciais compradores. Segundo o Credit Conditions Survey do Banco de Inglaterra, relativo ao segundo trimestre, os bancos esperam reduzir a sua oferta de crédito à habitação durante o trimestre em curso. Efetivamente, nos primeiros sete meses do ano, as taxas médias do crédito à habitação registaram subidas.
Alguns indicadores apontam no sentido de uma aceleração no mercado imobiliário
Porém, existe o risco de virmos a assistir a um fenómeno de “vendas forçadas”, durante os meses de Inverno, que poderá alterar o atual equilíbrio de mercado no sentido da descida dos preços das casas. Segundo o RICS, no mês de julho, cada imobiliária apresentava, em média, cerca de 41 casas para vender, valor muito abaixo da média de 55 casas, registada na última década. As famílias têm estado protegidas pelo programa governamental de apoio ao layoff, bem como pelas moratórias de crédito. Nos últimos meses do ano, a retirada destes apoios deverá expor os preços das casas à queda do rendimento das famílias.
De abril a junho, a rubrica de investimento registou uma queda de 31,0% face ao período homólogo do ano passado. Tal como se pode observar no gráfico abaixo, segundo o inquérito sobre intenções de investimento levado a cabo pelo Banco de Inglaterra, os gastos de capital deverão registar uma queda anual de 15,0%, no quarto trimestre do ano. A incerteza acerca da evolução da procura e o receio de uma segunda vaga de Covid-19 deverão impedir a recuperação do investimento. O próximo ano também se adivinha difícil. As empresas conseguiram obter financiamento devido ao suporte do governo, no entanto, as dívidas recentemente contraídas terão de começar a ser reembolsadas no próximo ano. Em março de 2021, as empresas também terão um pesado encargo de impostos já que o governo prorrogou para essa altura o pagamento do IVA referente às vendas do segundo trimestre deste ano.
Segundo indicadores do BoE, o capex deverá continuar a cair no último trimestre do ano
As exportações líquidas também não deverão suportar o crescimento do PIB até ao final do ano, dada a incerteza relativamente ao desfecho do Brexit. As empresas a nível mundial deverão permanecer relutantes em recorrer aos fornecedores do RU, dado o risco de eventual rutura de abastecimento ou subida de preços, caso as negociações do acordo comercial com a União Europeia falhem.
De recordar que as negociações deverão conduzir a um acordo antes de 31 de dezembro, sob pena das relações comerciais entre ambos passarem a ser regidas pelas regras da Organização Mundial do Comércio (OMC), o que implica a aplicação de controlos e taxas aduaneiras. De facto, até agora as negociações não têm avançado ao ritmo desejável. Ambas as partes rejeitam mutuamente a responsabilidade pelo impasse nas negociações. O negociador chefe britânico, David Frost, critica os 27 por quererem impor ao RU continuidade nas políticas de apoios estatais e pescas. A EU queixa-se de “posições inaceitáveis” do RU sobre a questão das pescas e sobre a sua rejeição no compromisso para garantir o alinhamento às normas (o chamado “level playing field”) que a EU quer fixar para garantir que a concorrência seja realizada de forma justa. No limite, espera-se que ambos os lados cheguem a acordo para estender novamente as negociações.
Relativamente à evolução da pandemia, desde o levantamento das restrições de confinamento os novos casos aumentaram no RU e parecem estar em aceleração, apesar do número de hospitalizações e de mortes continuarem muito baixos. Os dados provenientes dos restantes países europeus, numa fase mais avançada da reabertura, também parecem indicar que o número de infeções deverá continuar a subir. A chegada do Inverno poderá deteriorar a situação, com as pessoas a permanecerem mais tempo em locais fechados e o clima frio a favorecer a propagação do vírus.
Os dados provenientes dos restantes países europeus apontam para a provável continuação da subida de novas infeções
Em suma, é nossa intenção continuar a monitorizar a evolução da economia britânica, após ter registado o pior desempenho deste século (muito pior do que a queda de 2,2% durante a crise de 2008), com o objetivo de tentar antecipar o desempenho positivo da mesma nos próximos trimestres. No entanto, em função da fraca condução do governo britânico no combate à pandemia e nos excessivos receios em deixar que o Reino volte ao normal, não parecem estarem adicionados os necessários ingredientes para que tenhamos rapidamente uma economia saudável, em especial quando a maioria dos cidadãos têm medo de sair de casa. Aliás, os dados divulgados, durante o mês de agosto, deixam antever uma desaceleração da recuperação económica que deverá manter o PIB britânico abaixo dos níveis pre-covid, pelo menos até ao final de 2020. Mais tarde ou mais cedo, tudo isto deverá ser refletido no menor valor da libra estrelina face às suas concorrentes mundiais, em especial em relação ao dólar norte americano.