Weekly Note
Disrupção no mercado laboral
Organização Internacional do Trabalho publica análise do mercado laboral mundial em plena crise pandémica
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No passado dia 23 de setembro, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) publicou o seu relatório de análise do mercado laboral, a nível mundial, no âmbito da crise Covid-19. Nesta weekly note partilhamos as conclusões que julgamos serem as mais relevantes.
Em primeiro lugar, a OIT informa que atualmente 94% dos trabalhadores, a nível mundial, residem em países com algum grau de medidas de encerramento de locais de trabalho em vigor. Cerca de 32% dos trabalhadores estão em países onde ainda persiste alguma exigência estrita, ou seja, em que todos os locais de trabalho estão encerrados à exceção dos essenciais. Recentemente, nalgumas geografias, estas medidas têm vindo a ser direcionadas para as áreas de maior infeção ao invés do país/economia como um todo. Assim sendo, 50% dos trabalhadores, a nível mundial, residem em países com encerramento de locais de trabalho nalguns setores ou categorias específicas. Por fim, apenas 12% dos trabalhadores vivem em países onde o encerramento dos locais de trabalho é apenas recomendado.
94% dos trabalhadores, a nível mundial, residem em países com algum grau de medidas de encerramento de locais de trabalho em vigor
A OIT reviu em alta o número de horas de trabalho perdidas, a nível global, durante os primeiros três trimestres de 2020, refletindo assim um impacto mais severo da pandemia no mercado laboral.
A OIT estima uma queda de 5,6% no número de horas de trabalho, a nível global, no primeiro trimestre de 2020 (versus 5,4% de estimativa anterior) face ao quarto trimestre de 2019, equivalente a 160 milhões de empregos a tempo inteiro (assumindo uma semana de trabalho de 48 horas).
No primeiro trimestre do ano, destaca-se, pela negativa, o comportamento da China e do bloco Ásia Pacifico, já que foram os primeiros a implementar medidas de contenção, logo no início de janeiro.
Estimativas de redução no número de horas trabalhadas a nível global
No que se refere ao segundo trimestre de 2020, a OIT reviu em alta a sua estimativa de queda no número de horas trabalhadas face ao quarto trimestre de 2019, de 14,0% para 17,3%, equivalente a 495 milhões de empregos a tempo inteiro. O continente americano, como um todo, deverá ter registado uma descida de 28,0%, sobretudo devido às quedas de 33,5% e 35,8% na América do Sul e América Central, com a América do Norte, incluindo Canadá e EUA, a registar descida de 18,4%. O bloco Europa e Ásia Central deverá ter registado uma queda de 17,5%, versus a estimativa anterior de 13,9%, equivalente a 55 milhões de empregos a tempo inteiro.
A OIT estima que, no terceiro trimestre de 2020, tenha havido uma queda de 12,1% nas horas trabalhadas, a nível global, face ao quarto trimestre de 2019, equivalente a 345 milhões de empregos a tempo inteiro. Embora represente uma melhoria face à estimativa de recuo de 17,3%, no segundo trimestre, ainda assim espelha uma descida considerável, mostrando que a recuperação do emprego continua a ser dificultada pelo atual contexto do Covid-19.
Em relação ao quarto trimestre de 2020, a OIT também atualizou as suas projeções, delineando três cenários: i) cenário base, que aponta para uma perda de 8,6% no número de horas trabalhadas, equivalente a 245 milhões de empregos a tempo inteiro, ii) cenário pessimista, que aponta para uma queda de 18,0%, equivalente a 515 milhões de empregos a tempo inteiro e iii) cenário otimista, que aponta para uma queda de 5,7%, equivalente a 160 milhões de empregos a tempo inteiro.
Tal como se pode observar no gráfico abaixo, no segundo trimestre de 2020, a perda de emprego deveu-se a uma maior proporção da inatividade do que ao desemprego. As medidas de apoio ao emprego por parte dos governos provocaram ausências de trabalho, ao invés de despedimentos, e por outro lado os indivíduos não puderam procurar emprego ou não estavam disponíveis para trabalhar devido ao confinamento imposto. A OIT alerta que a experiência de anteriores crises parece indicar que a reintegração dos inativos no mercado laboral é ainda mais difícil do que no caso dos desempregados e, como tal, uma eventual recuperação adivinha-se complicada.
No segundo trimestre de 2020, a inatividade foi a maior causa de perda de emprego
As reduções no número de horas trabalhadas traduzem-se em perdas substanciais de rendimento para os trabalhadores a nível mundial. A OIT estima que o rendimento do trabalho, a nível mundial, terá diminuído 10,7%, nos primeiros três trimestres de 2020 face ao período homólogo. Em valor, essa perda terá ascendido a 3,5 biliões de dólares, equivalente a 5,5% do PIB global, nos primeiros três trimestres de 2019.
Em resposta à crise Covid-19, os governos lançaram programas de estímulo fiscal numa escala sem precedente, sobretudo nos países de elevado rendimento per capita. Os últimos dados da Oxford Covid-19 Government Response Tracker database, de 2 de setembro, indicam que o valor total de pacotes de estímulo fiscal, a nível global, igualou 9,6 biliões de dólares, cerca de 11% do PIB mundial, em 2019. A OIT calcula que, em média, um aumento de estímulo fiscal em 1% do PIB anual reduziria as perdas nas horas trabalhadas em 0,8 pontos percentuais no segundo trimestre de 2020. Assim sendo, a redução estimada de horas de trabalho no segundo trimestre do ano teria sido de 28% caso não tivesse havido estímulos económicos, ao invés da estimativa de 17,3% avançada pela OIT e já referida acima.
O gráfico abaixo pretende ilustrar em que medida o estímulo fiscal terá ajudado a mitigar a perda de horas trabalhadas nos primeiros três trimestres de 2020. O exercício da OIT mostra que o estímulo fiscal global é equivalente a 4,3% do total de horas trabalhadas, o que compara com uma diminuição estimada de 11,7% nas horas trabalhadas, nos primeiros três trimestres de 2020. Tal como se pode observar abaixo, o efeito de mitigação proveniente dos estímulos fiscais é superior nos países de rendimento mais elevado. No grupo de países de elevado rendimento, as medidas de estímulo fiscal terão correspondido a 10,1% de horas trabalhadas versus uma estimativa de diminuição de 9,4% nos primeiros três meses do ano.
O efeito de mitigação dos estímulos fiscais na perda de horas trabalhadas nos primeiros três trimestres de 2020 foi bastante elevado nos países de maior rendimento
Em suma, a análise acima referida ilustra uma disrupção preocupante no mercado laboral, a nível mundial, com elevadas perdas em termos de horas e rendimento de trabalho. No futuro, os decisores políticos terão pela frente um enorme desafio na gestão do controle da pandemia tendo em conta os efeitos no mercado laboral. Os esquemas públicos de apoio ao emprego terão provavelmente de ser prolongados no tempo, sob pena de disrupção económica e social. O elevado crescimento dos inativos colocará ainda desafios acrescidos, com a necessidade de assistência no regresso ao emprego destes trabalhadores, evitando a sua marginalização do mercado laboral a longo prazo.