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Weekly Note

“Central Bank Digital Currencies”

O caso do E-Renminbi

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A Weekly Note desta semana foi escrita por Nuno Loureiro (LinkedIn), vencedor do concurso Champion Chip 2020 organizado pela Católica Porto Investment Club (onde a Sixty Degrees foi patrocinador oficial) e aluno de mestrado em Finanças na Faculdade de Economia da Universidade do Porto

O dólar enquanto principal moeda a nível mundial

Atualmente, o dólar é a moeda de referência nos mercados financeiros globais, representando cerca de 90% das transações internacionais e de 60% das reservas em moeda estrangeira (dados de 2019). O dólar também apresenta vantagens de entesouramento já que, ao contrário de muitas outras moedas, nunca foi cancelado, ou seja, todas as notas de dólar são válidas independentemente da sua data de impressão. O primeiro dólar em papel foi emitido em 1861 e ainda hoje poderia ser usado para pagamento de impostos nos EUA, no entanto, o seu valor facial é muito inferior ao seu valor numismático. Cerca de 70% de todos os dólares em papel circulam fora dos EUA, existindo mais notas de $100 em circulação do que de $1.

À medida que o mundo encara a extinção da moeda física, a par da crescente instabilidade política, a procura de USD só deverá aumentar, não o contrário.

Moedas mais transacionadas do mundo (janeiro de 2020)
Fonte: IG.com

Nesta fase, importa questionar até que ponto o avanço na direção das moedas digitais poderá alterar o sistema monetário mundial e eventualmente ameaçar o estatuto de reserva do dólar. É sabido que tanto a China como a Rússia se opõem à manutenção do dólar enquanto moeda de reserva. Estas potências poderão aproveitar o desenvolvimento das suas próprias moedas digitais para se tornarem mais independentes do atual sistema, nomeadamente do sistema SWIFT (Society for Worldwide Interbank Financial Telecommunication), monitorizado de perto pelos EUA e do sistema CHIPS (NY Clearing House Interbank Payments System). Aliás, é pública a intenção dos russos em lançar a sua alternativa ao SWIFT. As novas moedas digitais poderão abrir portas ao comércio bilateral, sem ingerência de política externa e poderão dificultar a imposição de sanções comerciais por parte dos EUA.

“Central Bank Digital Currencies”

De facto, a próxima evolução no sistema monetário mundial parece envolver a emissão de moeda digital por parte dos bancos centrais – “Central Bank Digital Currencies” (CBDC). Na China, os avanços nesse sentido parecem prosseguir a bom ritmo, com o lançamento do e-Renminbi (e-RMB).

No passado mês de outubro, o BIS (Bank for International Settlements) publicou um relatório denominado “Central Bank Digital Currencies: Foundational Principles and Core Features”, que estabelece os princípios base para a criação de moeda digital por parte dos bancos centrais, salientando a importância da criação de uma moeda digital por parte dos bancos centrais poderia facilitar a implementação da política monetária, potencialmente tornando-a mais eficaz.

Por outro lado, a evolução no sentido da existência de moedas digitais, ao nível de cada país, serve bem o propósito de cobrança crescente de impostos, dando mais acesso governamental a todo o tipo de transações, tornando a tributação dos indivíduos e das empresas ainda mais eficiente, tal como é tão desejado por um grande número de governos à volta do mundo. A digitalização da moeda também tem como objetivos impedir o fenómeno de entesouramento (de dinheiro físico).

Claro que uma vantagem da introdução das moedas digitais de bancos centrais poderá ser o aumento da transparência sobre a proveniência do dinheiro em circulação no sistema bancário, reduzindo a incidência de crimes de lavagem de dinheiro e outros delitos financeiros. Por outro lado, em termos negativos, coloca-se a questão da perda total de privacidade dos diversos agentes económicos privados.

Há ainda considerações tecnológicas muito importantes, nomeadamente tendo em conta a questão da segurança. Uma moeda digital de um banco central acarreta riscos de segurança muito distintos das criptomoedas privadas. Ataques cibernéticos por parte de outros estados serão um risco efetivo. A infra-estrutura de uma moeda digital de um banco central será uma questão de segurança nacional.

CBDC e criptomoedas

No caso dos países virem a ter a sua própria moeda digital, poderá deixar de haver lugar para as criptomoedas privadas. De facto, os governos não deverão permitir a existência dessa concorrência, em termos de controle da oferta de moeda por entidades privadas, e sobretudo não deverão tolerar que exista uma forma de escapar à cobrança dos seus impostos. No entanto, é razoável admitir que as autoridades tenham deixado avançar as criptomoedas apenas com a intenção de criar familiaridade entre a população. De referir que apesar das transações em criptomoedas estarem registadas, não se sabe, pelo menos diretamente, a identidade das duas partes envolvidas na transação.

Os “emissores” de criptomoedas e/ou outras formas de e-money acreditam que conseguem contornar o poder dos Bancos Centrais, reduzindo a inflação, ao mesmo tempo que clamam que a sua tecnologia é transparente, com o objetivo de criar uma aura de confiança em torno dos seus serviços. No entanto, é esta mesma “transparência” que tem vindo a convidar um aumento do nível de regulação sobre estas entidades, derrotando assim a tal ideia de autonomia face às moedas emitidas pelos Bancos Centrais.

 A existência das criptomoedas privadas e o seu crescimento representam, em si mesmo, um desafiar do poder dos governos e, como tal, estes vão acabar por considerá-lo inaceitável e chamar a si o controle efetivo da moeda. De salientar que as criptomoedas privadas não são aceites para o pagamento de impostos e não apresentam vantagens em termos de reserva de valor, dada a sua elevada volatilidade.

Moedas digitais
Fonte: Nuno Loureiro

E-Renminbi

Em 2014, o Banco Popular da China (PBC) anunciou oficialmente o desenvolvimento de uma moeda digital, o E-Renminbi, no âmbito do projeto designado Digital Currency/Electronic Payments project.

Em agosto de 2019, o PBC divulgou um plano para efetuar o rollout da moeda digital no espaço de 3 anos. Já em abril deste ano foram iniciados testes em 4 cidades, Shenzhen, Suzhou, Xiong’An e Chengdu, que servirão de “ground-zero” para a futura implementação a nível nacional. Nestas cidades, o e-RMB foi emitido em pequenas quantidades e tem sido usado em determinados serviços, como transportes e alimentação. À semelhança da tática usada pelos países europeus aquando da introdução do Euro, o e-RMB foi formalmente adotado nestas cidades, com alguns funcionários públicos a receber salários na moeda digital. O governo pretende ainda potenciar a utilização da moeda digital nos Jogos Olímpicos de Inverno, a realizar na China em 2022, por forma a alcançar visibilidade internacional.

O e-RMB poderá ser assim a primeira moeda digital oficialmente criada por uma grande potência. A China tenciona que este se torne no principal método de pagamento a nível nacional, o que permitirá, numa fase seguinte, a sua utilização a nível internacional.

Para fomentar a internacionalização da moeda, a China poderá fazer uso do projeto “Belt and Road Initiative” (BRI). Neste âmbito, poderá conceder empréstimos em e-RMB aos países participantes ou incluir cláusulas que obriguem os bancos centrais destas nações a aceitar pagamentos em e-RMB.

Diferenças para os meios atuais

A China é um país muito peculiar no que toca aos sistemas de pagamentos. Ao contrário da maioria dos países ditos desenvolvidos, que utilizam como principais meios de pagamento a moeda no seu estado físico e cartões de multibanco, a grande maioria dos chineses, em particular aqueles que vivem nos grandes centros urbanos, está acostumado a utilizar os meios digitais, através do uso de smartphones, para efetuar pagamentos.

Desta forma, pode concluir-se que a introdução de uma moeda digital na China está facilitada no sentido em que o caminho já foi percorrido em termos da perspetiva dos utilizadores.

Contudo, ainda está por definir qual o modelo de implementação e articulação da moeda digital com o sistema bancário. Se as moedas digitais forem muito semelhantes aos depósitos bancários, estes poderão ver diminuída a sua atratividade. Uma possibilidade é serem constituídas parcerias público-privadas, alocando funções diferenciadas ao banco central e aos bancos comerciais por forma a evitar situações de perturbação da estabilidade financeira.

Funcionamento do sistema bancário
Fonte: DIGFIN

Desafios

Apesar de ter a capacidade para lançar com sucesso o e-RMB a uma escala nacional e possivelmente a uma escala internacional, através da BRI, existe ainda uma série de obstáculos que a China necessita de ultrapassar até conseguir que o renminbi seja considerado uma alternativa viável ao dólar e uma verdadeira moeda global.

Em primeiro lugar, a China deverá ser capaz de assegurar a privacidade dos utilizadores do e-RMB. O governo chinês é comummente acusado de abuso de poder no que toca à privacidade dos seus cidadãos e, portanto, qualquer expansão internacional terá de ter associada a garantia do respeito da privacidade individual e a transparência do governo chinês.

Em segundo lugar, para se tornar uma moeda atrativa para investidores, é necessário que esta seja suportada por uma economia estável e com a qual os investidores se sintam seguros. Para isso, é necessário uma maior transparência e estabilidade da política monetária chinesa e dos mercados financeiros em geral.

Outro desafio a ter em conta, e talvez dos mais importantes para o objetivo da internacionalização do e-RMB, é a abertura da conta de capital nacional, que vem a par de uma taxa de câmbio flutuante nos mercados. É necessário garantir aos investidores que o renminbi é convertível em bens, ativos financeiros e físicos, títulos de dívida e, inclusive, outras moedas, e que não existem limites à posse dos mesmos.

No entanto, abrir a conta de capitais, apesar de ter os benefícios de permitir uma maior entrada de Investimento Direto Estrangeiro, garantir aos investidores maior transparência e permitir, como acima referenciado, a internacionalização da moeda, não vem sem os seus desafios. A verdade é que, ao fazê-lo, o governo estará a abrir mão do controlo dos fluxos de entrada e de saída de capitais do país, o que poderia levar a fortes saídas de capitais para o estrangeiro que, de outra maneira, permaneceriam no país para investir, bem como à entrada de “hot-money”.

Ainda a ter em conta, é a necessidade que a China tem em passar para um regime de taxas de câmbio totalmente flutuante, que teria o potencial de tornar o renminbi numa moeda mais forte, tornando as exportações mais caras e tirando competitividade à economia chinesa. Ou seja, uma abertura da conta de capitais nacional requereria uma reformulação do sistema económico em vigor, baseado ainda em exportações baratas e no controlo estatal de grande parte do tecido empresarial chinês, que passariam a deixar de ter acesso a tratamento preferencial, nomeadamente em questões de taxas de juro, por parte das instituições soberanas, e de ser competitivas em termos de custos no palco global.

Por último, um desafio importante e essencial para qualquer país que aspire a possuir uma moeda global, é a existência de regras e normas que regulem as transações internacionais, materializadas em instituições fortes e de confiança. É necessário que os investidores reconheçam à China um bom sistema de justiça que lhes dê a confiança de que, se forem lesados, as instituições competentes resolvam os problemas de forma competente e transparente.

O papel de Hong Kong

Hong Kong é um dos maiores centros financeiros do mundo e, como tal, serve de ligação entre a China e os mercados financeiros globais. Em 2018, 77% dos pagamentos em RMB passaram por Hong Kong. A situação deriva do facto do dólar de Hong Kong (HKD) estar indexado ao dólar americano e transacionar livremente. Como tal, o HKD serve efetivamente como equivalente ao dólar.

Dito isto, não é difícil perceber a necessidade da China em usar Hong Kong como a plataforma de expansão do e-RMB.

Através desta região, a China poderá internacionalizar o renminbi sem o risco de flutuações cambiais severas. Como? Através da liberalização do “offshore RMB”, ou CNH, que já é transacionado livremente nos mercados. Dada a existência de barreiras entre o CNH e o CNY, qualquer flutuação severa no CNH não teria consequências tão severas para o continente. No final do dia, a liquidação dos pagamentos em e-RMB seria feita pela Autoridade Monetária de Hong Kong, que por sua vez seria guiada pelo Banco Popular da China.

CNH vs CNY
Fonte: NEAT

Em suma, o e-Renminbi apresenta-se hoje como a primeira moeda digital emitida por um Banco Central a entrar em funcionamento. Em linha com as últimas tendências digitais de meios de pagamentos, a China prepara-se para um futuro em que o dólar poderá deixar de ser o centro dos mercados cambiais globais, e onde o Renminbi poderá passar a desempenhar um papel mais importante. Uma mudança a esta escala não vem sem os seus desafios. Os rígidos controlos de capitais em vigor no país, a falta de transparência e a inexistência de um sistema de compensações internacionais forte ainda se apresentam como obstáculos que a China terá de ultrapassar antes de chegar a uma posição em que é capaz de desafiar o dólar.

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