Weekly Note
África Subsariana: Perspetivas
Síntese do Regional Economic Outlook do FMI
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O FMI divulgou este mês a mais recente atualização do Regional Economic Outlook – Sub-Saharan Africa, no qual apresenta as projeções económicas para a região da África subsariana e retrata o panorama nesta zona do globo no âmbito da atual pandemia. Nesta weekly note sintetizamos as principais conclusões da referida publicação.
Em 2020, a África subsariana registou uma contração económica de 1,9%, um recorde histórico. Este desempenho negativo, com um impacto dramático nas respetivas economias locais, é explicado pelo alastrar da pandemia de Covid-19 e pela implementação de medidas de confinamento nacional, aplicadas pelos vários países.
Em face do decréscimo das infeções, vários países reabriram gradualmente as suas economias no Verão do ano passado. No entanto, posteriormente à publicação do October 2020 Regional Economic Outlook – Sub-Saharan Africa, a região da África subsariana, à semelhança do resto do mundo, foi assolada por uma segunda vaga de Covid-19 que superou a escala e velocidade da primeira. Na África do Sul assistiu-se mesmo à emergência de uma variante mais infeciosa da doença. Tal como se pode observar no gráfico abaixo, a referida segunda vaga já registou um abrandamento, porém vários países do Hemisfério Sul preparam-se agora para vagas adicionais à medida que o Inverno se aproxima.
Evolução de novos casos de Covid-19
Na segunda vaga, as medidas de distanciamento social impostas foram menos restritas
Importa salientar que o processo de produção, abastecimento e administração das vacinas está a evoluir lentamente e de forma desigual a nível mundial. É verdade que muitas economias avançadas estão a acelerar a vacinação e pretendem ter a maioria da população vacinada em meados deste ano, tendo já assegurado doses suficientes para cobrir várias vezes as suas populações. No entanto, em África, a situação é muito mais difícil, com a maioria dos países em dificuldades para iniciar a vacinação dos grupos prioritários, como os profissionais de saúde e de educação. O prolongar do período de espera até à chegada das vacinas, a par do congestionamento dos sistemas de saúde, fará com que estes países continuem a enfrentar a ameaça constante de ressurgimento da pandemia.
O processo de produção, abastecimento e administração de vacinas está a evoluir de forma desigual
Pela positiva, convém referir que os países da África subsariana poderão beneficiar de uma melhoria, acima do esperado, no ambiente externo. De facto, o FMI estima agora que a economia mundial tenha apenas contraído cerca de 3,3%, em 2020, cerca de 1,1 p.p. acima das estimativas avançadas no October 2020 World Economic Outlook, em resultado duma recuperação acima do esperado durante o segundo semestre do ano passado.
De assinalar também a subida dos preços das commodities, em geral, que recuperaram fortemente, no segundo semestre de 2020, com a redução gradual dos confinamentos e com a retoma da procura chinesa. No primeiro trimestre deste ano, o preço do petróleo foi em média de 59 dólares/barril, claramente acima dos 41 dólares/barril verificados em 2020. Os preços dos alimentos também estão a registar subidas, com a recuperação verificada, no segundo semestre de 2020, a reverter as quedas iniciais nos primeiros meses da pandemia.
Importa também referir a melhoria recente nas condições financeiras, já que desde os máximos históricos, em abril de 2020, os spreads soberanos da África subsariana desceram cerca de 700bp, até finais de 2020. Sendo expectável que os principais bancos centrais mantenham a sua política acomodatícia no curto/médio prazo, o ambiente favorável poder-se-á manter para estes Estados africanos.
Desde os máximos de abril 2020, os spreads soberanos da África subsariana desceram 700bp
Apesar disto, segundo o FMI, a África subsariana deverá crescer apenas 3,4%, pelo que será a região com crescimento económico mais lento em 2021, sendo a previsão para aeconomia mundial de cerca de 6%, devido à aceleração do rollout da vacina e aos efeitos dos estímulos fiscais e monetários . A fraqueza da recuperação projetada prende-se com a falta de manobra fiscal para implementar estímulos com escala e com a maior lentidão no processo de vacinação, face à incapacidade da maioria dos países atingir uma cobertura de 60% da população antes do final de 2023. Na região como um todo, só em 2023 é que o output per capita deverá regressar aos níveis de 2019, no entanto, prevê-se que muitos países só o deverão conseguir alcançar no final do horizonte de previsão, em 2025.
O output per capita só deverá regressar aos níveis de 2019, após 2022
A economia sul-africana contraiu 7%, em 2020, devendo recuperar cerca de 3,1%, em 2021. Um desempenho mais forte que o esperado, no quarto trimestre de 2020, acabou por ser compensado pelo surgimento da segunda vaga de Covid-19, que atingiu o pico em janeiro de 2021 e obrigou à reposição de restrições, no primeiro trimestre deste ano. Pela positiva, o país está a implementar um plano de vacinação ambicioso, que se for executado de forma célere poderá reduzir o risco de vagas adicionais. No entanto, a médio prazo, o crescimento económico estará limitado pelas crescentes desigualdades sociais, apagões crónicos e rigidez do mercado laboral.
A Nigéria registou uma recessão de 1,8% em 2020 e deverá crescer 2,5% em 2021, devido sobretudo ao aumento da produção e dos preços do petróleo. A médio prazo, continuará a ser prejudicada pelo esforço global de transição para energia verde e pelo lento crescimento dos setores não petrolíferos. A pesar negativamente no crescimento futuro estará também a ausência de determinação para superar as fraquezas estruturais existentes, tais como défices de infraestruturas, de capital humano e de fraca governance.
Por seu lado, em 2021, Angola deverá crescerpela primeira vez em seis anos. A pandemia provocou uma recessão de 4,0%, em 2020, mas a economia só deverá conseguir recuperar 0,4%, em 2021. As estimativas de crescimento têm vindo a ser revistas sucessivamente em baixa, desde outubro passado, devido ao adiamento do investimento e manutenção necessários ao setor petrolífero.
A Etiópia deverá crescer 2%, em 2021, beneficiando da melhoria no ambiente externo. No entanto, as projeções para o output agrícola têm vindo a ser revistas em baixa devido às recentes pragas de gafanhotos e ao conflito no Tigray, na zona norte do país.
O grupo de países mais dependentes do turismo (Cabo Verde, Comores, Gâmbia, Maurícias, São Tomé e Príncipe, Seychelles) registou uma contração de 14%-16%, em 2020, devido à paralisação das receitas de turismo, no primeiro semestre do ano passado. Apesar da recuperação a nível global, as viagens internacionais ainda se encontram fortemente restritas e, como tal, o fluxo de turistas só em 2024 deverá regressar aos níveis de 2019. Ainda assim, nalguns casos, como as Seychelles, poderá começar a assistir-se a alguma melhoria ainda este ano devido a um programa de vacinação mais atempado e ambicioso.
O grupo de países exportadores de petróleo registou uma contração de 2,3%, em 2020, e deverá recuperar cerca de 2,3%, em 2021, devido à subida dos preços das commodities e ao aumento de exportações. Da mesma forma, os denominados Other resource-intensive countries também deverão recuperar 3,5%, em 2021, próximo das suas taxas de crescimento pré-crise.
A África subsariana será a região com crescimento económico mais lento em 2021
Nesta fase, as projeções económicas ainda estão muito dependentes da duração da pandemia. Tendo em conta a experiência vivida com a segunda vaga, a África subsariana continua exposta a novos episódios de Covid-19, até que as vacinas fiquem largamente disponíveis. O cenário base do FMI assume que novos surtos serão combatidos com confinamentos localizados e medidas menos estritas do que aquelas que foram aplicadas no início de 2020.
A maioria dos países africanos estará dependente da COVAX – Covid-19 Vaccines Global Access e da União Africana para conseguir assegurar as suas doses iniciais de vacinas. O sucesso da vacinação também irá depender da infraestrutura de distribuição que as autoridades desses países e a comunidade internacional conseguirem estabelecer para o efeito. Se as restrições ao nível da oferta e distribuição de vacinas se mantiverem, a maioria dos países terá dificuldade em atingir imunidade de grupo antes de finais de 2023, ficando desse modo expostos a novas variantes da doença, potencialmente mais infeciosas e que poderão tornar a Doença por Covid-19 num problema permanente e endémico na região.
O FMI apresentou um cenário downside, no qual o processo de vacinação é mais lento do que o esperado, reduzindo em 1,5-2,5 p.p. o crescimento mundial, provocando uma descida nos preços das commodities e um aumento dos custos de financiamento dos mercados emergentes. Nesse caso, o crescimento na África subsariana seria reduzido em 0,5-1,0 pontos percentuais, em 2021-22, equivalente a uma perda acumulada de PIB per capita de 2,5%, nos próximos dois anos. A região só regressaria aos níveis pré-crise em 2024, um ano mais tarde do que no cenário base.
Num cenário upside, em que o rollout da vacina é mais rápido que o esperado, o crescimento global aumentaria em 0,25 e 1,25 p.p. , em 2021 e 2022 respetivamente. Nesse caso, o crescimento na África subsariana aumentaria em 0,25 p.p. , entre 2021 e 2022, correspondendo a um ganho de PIB per capita acumulado de aproximadamente 1 p.p. nesse período.
Para além da pandemia propriamente dita existem ainda outros riscos assinaláveis. Desde logo o agravamento das desigualdades sociais e/ou o aumento das tensões sociais e políticas, sendo que 13 países terão eleições este ano. Alguns países enfrentam problemas de segurança (Burkina Faso, Camarões, República Centro-Africana, Chade, Etiópia, Mali, Moçambique). A região continua também vulnerável a choques climáticos como inundações ou secas (Benin, Lesoto, Mali).
Outro risco será a eventual retirada prematura dos estímulos nas economias avançadas e/ou o aumento das expectativas de inflação, com potencial impacto na volatilidade dos mercados financeiros e no aperto das condições de financiamento a nível mundial. Maiores dificuldades de acesso a financiamento poderão trazer pressões sobre o nível de sustentabilidade da dívida e sobre a evolução cambial dos países africanos. Nesse caso, algumas geografias africanas poderiam arriscar a entrada num ciclo vicioso, onde a dificuldade de obtenção de financiamento externo exigiria uma maior consolidação fiscal, que por sua vez poderia pressionar em baixa o crescimento económico, provocar tensões sociais, impedir reformas estruturais, aumentar os prémios de risco e estabelecer uma trajetória de baixo crescimento e elevado endividamento.
Em matéria de intervenção política, na África subsariana, as autoridades dos países desta região têm sido confrontadas com a necessidade de tomar medidas para impulsionar e reconstruir as suas economias e, em simultâneo, lidar com os repetidos surtos de doenças que vão emergindo. Os confinamentos prolongados não são soluções viáveis e como tal terão de ser tomadas medidas de contenção e vigilância adaptadas a cada surto localizado. A necessidade de despesa adicional é óbvia, não só para apoiar os sistemas de saúde locais, como para suportar a testagem e assegurar as exigências, ao nível da logística, para uma vacinação em massa.
No entanto, a região apresenta um ponto de partida mais frágil do que em 2008, aquando da crise financeira global, com 16 países em elevado risco de financial distress ou já em financial distress efetivo, em 2019. O Group of Twenty (G20) Debt Service Suspension Initiative já disponibilizou alguma margem para manutenção de despesa crítica , possibilitando o adiamento do serviço da dívida, porém sem redução de stock.
Os pacotes de estímulo fiscal direcionados ao combate à pandemia igualaram uma média de apenas 2,6% do PIB na região. Deste modo, ficaram bem abaixo dos montantes avançados noutras regiões, já que a despesa comparável nas economias avançadas foi 7,2% do PIB, em 2020. Assim sendo, muitos países da África subsariana revelaram-se incapazes de suportar as suas economias, sofrendo maiores perdas de output.
Apesar dos pacotes de estímulo menos ambiciosos, a dívida pública na África subsariana aumentou para 58% do PIB, em 2020, um aumento superior a 6 p.p. em apenas num ano, correspondendo ao máximo dos últimos 20 anos. Em 2020, cerca de 17 países encontravam-se em risco de financial distress ou em financial distress efetivo, mais 1 do que antes da crise.
Em 2020, 17 países estavam em risco de financial distress ou em financial distress efetivo
Apesar das exigências de gastos associadas à pandemia em curso, muitos países da região terão de levar a cabo algum grau de consolidação fiscal por forma a colocar a dívida numa trajetória sustentável. Os défices orçamentais da região deverão reduzir-se em 1,5% do PIB este ano, diminuindo o nível médio de endividamento para 56% do PIB, embora com diferenças importantes entre países.
No contexto da necessidade de obtenção de espaço de manobra fiscal para fazer face às despesas, o FMI recomenda o aumento da progressividade e cobertura dos impostos sobre o rendimento, a eliminação de isenções e incentivos fiscais às empresas e o alargamento da base do IVA. A eficiência do IVA na África subsariana, medida pelo rácio entre a receita efetiva e a receita obtida no caso de todo o consumo ser taxado a uma taxa standard, é de apenas 35% versus uma média superior a 50% a nível global. O FMI estima que o aumento da eficiência do IVA poderia representar um acréscimo de receitas correspondente a 2% do PIB.
Quer ao nível da receita, quer ao nível da gestão da despesa, o FMI recomenda a adoção crescente de digitalização, por forma a melhorar o planeamento e a eficiência do orçamento.
As reformas em termos de governance já antes eram uma prioridade, mas no contexto atual de suporte financeiro por parte da comunidade internacional, muitos países comprometeram-se em melhorar neste campo, por forma a assegurar a transparência da aplicação da despesa de combate ao Covid-19.
No entanto, no caso de maior prolongamento da pandemia, alguns países ficarão num dilema entre o cumprimento do serviço da dívida e as exigências de despesa de saúde essencial, inevitavelmente necessitando de alguma forma de tratamento da dívida. O FMI já proporcionou algum alívio a cerca de 22 países da África subsariana através da Catastrophe Containment and Relief Trust (CCRT). A CCRT, financiada por donativos da UE, Japão e Reino Unido, oferece a cobertura de 2 anos do serviço da dívida destes países ao FMI.
Para países com dívida sustentável, mas necessidades de liquidez persistentes (Etiópia), o G20 Common Framework pode ajudar a coordenar uma recalendarização. No caso de países com problemas de sustentabilidade de dívida mais profundos, o Common Framework poderá ajudar a coordenar o eventual processo de reestruturação (Chade, Zâmbia).
Em matéria de política monetária em 2020,os bancos centrais seguiram políticas expansionistas, , porém o seu espaço de manobra é cada vez mais reduzido. Na África subsariana, a inflação reduziu-se face aos 2 dígitos registados em 2017, mas aumentou de 9,6% em 2019, para 11,1% em 2020, devido à subida dos preços dos alimentos (Gana), à depreciação cambial (Angola, Zâmbia) e à recuperação dos preços da energia no final do ano. À medida que as economias comecem a recuperar, a par da subida dos preços das commodities, os bancos centrais ficarão naturalmente mais cautelosos. Tendo levado a cabo uma política acomodatícia, em 2020, a maioria está agora a manter as taxas de juro de referência, mas alguns já reverteram parte dos cortes do ano passado (Moçambique, Zâmbia).
Em 2020 os bancos centrais seguiram uma política acomodatícia
No ano transato, perante maiores necessidades de despesa e limitações ao nível do financiamento, muitos países da África subsariana acabaram por recorrer aos seus bancos centrais, para obterem os fundos necessários (República Democrática do Congo, Gana, Maurícias, Nigéria, Sudão do Sul, Uganda). Se a pandemia se prolongar, alguns países não terão outra escolha senão recorrer a esta forma de financiamento, que a prazo poderá comprometer o objetivo de controle da inflação. O FMI recomenda que esta via seja apenas utilizada como último recurso e que quando posta em prática tente, na medida do possível, aproximar-se dos termos de mercado, com um prazo e plano de reembolso fixados.
Até à data, os indicadores de solidez do sistema financeiro não apontam para uma deterioração significativa, devido, em parte, ao apoio das autoridades e regulador. Para os países em que existem dados disponíveis, o rácio NPL médio aumentou apenas de forma modesta, de 7,2% no final de 2019, para 8,3% em outubro de 2020, abaixo dos níveis de 2018. De forma semelhante, os rácios de capital diminuíram de forma marginal, de 17,6% para 17,4% na região como um todo. O regulador permitiu a utilização das almofadas de capital contracíclicas (Botswana, países da CEMAC – Comunidade Económica e Monetária da África Central, Gana, Namíbia) ou prolongou o período de transição para Basileia (Lesoto, Uganda, Zâmbia, WAEMU – União Económica e Monetária do Oeste Africano). Por contraponto, os bancos restringiram o pagamento de dividendos (Benin, CEMAC, Guiné, Lesoto, Ruanda, África do Sul, Uganda, WAEMU).
Para o futuro será importante ter uma imagem realista da saúde do sistema bancário, com uma classificação adequada dos créditos e um nível de provisionamento que reflita as perdas potenciais, por forma a concluir sobre défices de capital e necessidades de recapitalização. Assim sendo, as medidas de alívio temporário permitidas pelo regulador deverão ser retiradas faseadamente, à medida que a economia recupere, por forma a assegurar a estabilidade do sistema financeiro e a capacidade do setor privado em suportar o crescimento económico no longo prazo.
Em suma, em 2021, a economia regional da África subsariana deverá registar um crescimento económico lento, devido às restrições ao nível da oferta e distribuição de vacinas e à incapacidade de implementação de estímulos consideráveis. O principal risco prende-se com o prolongar da própria pandemia, continuando a expor a região a novas variantes da doença e transformando a Doença do Covid-19 num problema permanente e endémico na região. No longo prazo, o potencial da região ainda é inegável, sendo urgente a necessidade de reformas estruturais transformadoras.