Weekly Note
Economia Sul Africana
Breve análise da situação atual
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Numa breve nota introdutória, salienta-se que, durante o período de 1960-80, a economia sul-africana registou uma taxa de crescimento média anual de 4,5% devido sobretudo à abundância de recursos naturais. Já na década 80, o efeito das sanções económicas e a redução do investimento deram origem a um longo período de estagnação económica. Em 1994 tiveram lugar as primeiras eleições não determinadas pelas regras do “apartheid” e que entregaram o poder ao Congresso Nacional Africano (ANC). Entre 1994-2005 a economia cresceu em média 3,3% por ano, acelerando entre 2006-2007 para 5,0% ao ano. Este desempenho deveu-se, em grande parte, à consolidação das finanças públicas e à integração da economia sul-africana com o resto do mundo, resultando num aumento da produtividade. Entre 2007-2012 o ritmo de crescimento económico abrandou para 2,8% ao ano, registada uma recessão em 2008-2009. Desde então, a taxa de crescimento económico tem ficado aquém das expectativas. Após a forte contração de 7,0% em 2020 devido à pandemia, estima-se que a economia recupere de forma moderada, apesar de persistirem vários obstáculos estruturais.
Apesar do início do ano ter arrancado envolto em fraqueza relacionada com a segunda vaga de Covid-19, os dados mais recentes parecem apontar para uma melhoria da atividade. O abrandamento do ritmo de novas infeções permitiu a retirada das restrições mais estritas, no final de janeiro, possibilitando a melhoria dos indicadores económicos em geral, nos últimos 3 meses. De destacar a evolução positiva ao nível da mobilidade e de alguns indicadores como o PMI e a Confiança do Consumidor.
No 1T21, o indicador de confiança do consumidor FNB/BER aumentou 3 pontos, para -9. O índice recuperou todas as perdas provocadas pela pandemia, regressando ao valor do 1T20, mas ainda assim abaixo da média histórica de +2. A melhoria deveu-se às componentes de “outlook” económico e das expetativas para as finanças das famílias. Pela negativa, o sub-índice que mede a adequação de condições à aquisição de bens duradouros deteriorou-se em 2 pontos, para -32.
De destacar também a recente melhoria na mobilidade, medida pelo Google Mobility Index, considerado um “proxy” para a evolução do PIB. Este indicador, que tinha registado uma deterioração em janeiro, melhorou nos meses de fevereiro e março, embora ainda sugira uma contração económica para o primeiro trimestre como um todo.
Google Mobility Index (South Africa)
Ainda assim, para o ano como um todo, persistem alguns entraves importantes ao crescimento económico. Desde logo, o lento processo de vacinação, cuja evolução está muito aquém do objetivo traçado pelo governo de atingir imunidade de grupo no final deste ano. A lentidão do “rollout” da vacina, a par do receio de surgimento de uma terceira vaga do vírus deverão continuar a prejudicar a procura doméstica ao longo do ano. Por outro lado, a expectativa de continuação de cortes de eletricidade, possivelmente até ao Verão, bem como as tensões no mercado laboral e o elevado desemprego, também deverão pesar negativamente na evolução da atividade económica.
Para 2021, o Banco Central da África do Sul (Sarb) prevê uma recuperação económica de 3,8%, com o crescimento a desacelerar para 2,4% e 2,5%, em 2022 e 2023, respetivamente. No entanto, as estimativas mais conservadoras de alguns analistas e do FMI prevêem , para 2021, um crescimento económico entre 2,5% e 3,1%, apenas.
O programa de vacinação será a chave para a recuperação económica de 2021. No entanto, até agora, a atuação do governo tem sido alvo de múltiplas críticas devido à demora na aquisição das vacinas. O plano tem sido condicionado pela chegada em pequenos lotes, limitando a vacinação a pouco mais de 6 mil doses por dia, fazendo com que até à data menos de 300 mil profissionais de saúde tenham sido vacinados. Segundo o plano do governo, a primeira fase de vacinação envolve 1,25 milhões de profissionais de saúde, a segunda fase será dirigida a trabalhadores essenciais, cidadãos maiores de 60 anos e pessoas com comorbidades, e a terceira fase será aberta à restante população adulta. A evidência de que a vacina da AstraZeneca não possui eficácia suficiente contra a variante 501Y.V2, dominante na África do Sul, levou à alteração dos planos para a primeira fase onde se previa a vacinação dos profissionais de saúde com esta vacina. No início de fevereiro, o Presidente Ramaphosa afirmou que estavam asseguradas 12 milhões de vacinas Pfizer através da linha COVAX, 9 milhões de vacinas Johnson & Johnson e um adicional de 20 milhões de vacinas Pfizer que deverão ser recebidas no segundo trimestre. O governo pretende vacinar cerca de dois terços da população, até final do ano, por forma a atingir a imunidade de grupo. Porém, o objetivo das autoridades parece demasiado ambicioso, sendo expectável um “rollout” gradual do programa de vacinação e a eventual imunidade de grupo, em meados de 2022.
O ano de 2020 registou um recorde em termos de cortes de eletricidade, com um total de 1500 GWh de interrupções. Para 2021, continuam a antever-se dificuldades neste campo, com a Eskom, empresa sul-africana estatal de produção e distribuição de energia elétrica, a antecipar cortes intermitentes de 1000-2000 MW em cada semana nos próximos meses. A crise de energia elétrica no país é muito antiga e deve-se à falta de investimentos em infraestruturas de geração e distribuição da corrente e à expansão da rede para as populações anteriormente à margem do sistema. Neste sentido, a falta de eletricidade deverá continuar a restringir o desempenho do setor industrial em 2021.
Em março, a taxa de inflação na África do Sul aumentou para 3,2% “versus” 2,9% em fevereiro, superando o limite inferior do intervalo de 3%-6% fixado pelo Banco Central. A subida esteve relacionada com os aumentos nas componentes de alimentação e bebidas e dos transportes. Nos próximos meses, as pressões sobre os preços deverão intensificar-se em resultado da subida esperada nos preços dos combustíveis e da energia. Os preços da eletricidade também deverão contribuir para o exacerbar da pressão inflacionista, já que é expectável aumentarem mais de 15% em julho.
Na reunião de março, o Comité de Política Monetária do Banco Central decidiu manter as taxas de juro inalteradas em 3,5% em linha com o consensos. O Banco Central estima que a inflação iguale 4,3% este ano “versus” 3,3% em 2020, aumentando posteriormente para 4,4% e 4,5%, em 2022 e 2023, respetivamente.
Pela negativa, há que destacar as finanças públicas do país, as quais sofreram uma deterioração adicional com a necessidade de despesa para fazer face à pandemia e com o impacto da recessão ao nível da receita. No período 2015-2019, o défice orçamental igualou em média 4,7% do PIB. Em 2020, o défice orçamental atingiu o valor mais alto de sempre, 14% do PIB “versus” 6,4%, em 2019. Já a dívida pública atingiu 80,3% do PIB. Mais recentemente, nos primeiros 2 meses deste ano, o défice mais do que duplicou face ao período homólogo, tendo aumentado 104,5% para 143,5 mil milhões de randes . Em janeiro e fevereiro, as receitas do Estado recuaram 8,8%, em base anual, enquanto a despesa aumentou 18,0%, face ao período homólogo do ano anterior.
Em 2020, o défice orçamental atingiu um máximo recorde de 14% do PIB “versus” 6,4%, em 2019
Nos 2 últimos anos, o rating soberano da África do Sul tem sofrido vários “downgrades” por parte das principais agências, as quais classificam a dívida do país, em moeda estrangeira, abaixo de “investment grade”. A agravar a situação temos os elevados passivos contingentes das cerca de 700 empresas estatais, de onde destacamos a já referida Eskom, cujo passivo ascende a 500 mil milhões de randes, cerca de 10% do PIB.
“Rating” Soberano da África do Sul
Em termos de balança corrente, salienta-se que nos últimos anos, o país tem registado défices médios na ordem dos 3% do PIB. Porém, em 2020, foi registado um excedente no valor de 2,2% do PIB (“versus” um défice de 3,0% do PIB, em 2019) devido sobretudo a um aumento do excedente comercial. Em termos de exportações, o país vende sobretudo minérios e produtos manufaturados e importa maioritariamente tecnologia e combustíveis.
O país exporta sobretudo minérios e produtos manufaturados (OMC, 2019)
No quadrante político, é de referir que o partido Congresso Nacional Africano (ANC) está à frente do poder desde as primeiras eleições democráticas, ocorridas em 1994. No entanto, nos últimos anos, a necessidade de manter os apoios mais à esquerda tem impedido a realização de reformas económicas estruturais necessárias para alcançar um patamar de crescimento económico superior. O atual Presidente Cyril Ramaphosa que passou a Chefe de Estado em fevereiro de 2018, está mais próximo do ambiente empresarial do que o seu antecessor Jacob Zuma, no entanto, enfrenta um partido cada vez mais dividido em fações que lhe têm dificultado qualquer atuação reformadora.
A divulgação de alguns escândalos de corrupção têm penalizado o ANC e acentuado as suas clivagens internas. O Secretário-Geral do Partido, Ace Magashule, foi acusado de corrupção e, por decisão do órgão superior do partido (o NEC – Comité Nacional Executivo), foi-lhe concedido um prazo de 30 dias para se demitir (que terminou na passada quarta-feira mas ainda sem solução à vista). A sua recusa em sair e a ameaça de mobilização para contestação interna tem estado na ordem do dia, evidenciando a dificuldade do partido em desligar-se da corrupção. Neste ambiente, os resultados eleitorais do partido nas próximas eleições para governos locais, marcadas para 27 de outubro deste ano, parecem mais incertos do que o habitual.
O ANC tem vindo a deparar-se com escândalos de corrupção
Com o objetivo de estimar a evolução do crescimento económico para os próximos 3 anos, foram considerados quatro cenários distintos que abrangem, pela positiva, uma recuperação mais rápida do que o esperado e, pela negativa, um “rollout” da vacina mais lento do que o esperado, um regresso mais forte da inflação ou a falta de eficácia das vacinas no combate ao vírus. Os resultados obtidos podem ser observados no gráfico abaixo:
Impacto anual médio sobre o crescimento estimado (2021-2023)
Em suma, no curto prazo, o desempenho económico da África do Sul estará fortemente dependente do progresso ao nível da vacinação, o qual para já tem sido muito lento. A pesar negativamente teremos ainda o desequilíbrio das contas públicas e o prejuízo dos cortes de eletricidade para o setor industrial. Por outro lado, pela positiva, convém referir que o ambiente de negócios é relativamente mais atrativo do que nos restantes países africanos, nomeadamente devido ao respeito pela lei contratual, facilidade de repatriação de lucros e obtenção de financiamento. O país tem também um mercado de capitais desenvolvido e um setor financeiro sofisticado. Porém, no longo prazo, o crescimento económico deverá estar limitado pelo facto de nos últimos anos não terem sido implementadas reformas estruturais por parte do atual partido no poder. De relembrar que a África do Sul tem um passado recheado de baixos níveis de investimento, em média inferior a 20% do PIB, desde as eleições de 1994. Alguns analistas estimam que a taxa de desemprego deverá, em média, rondar os 30%, entre 2020-2024, e que permanecerá a níveis extremamente elevados (28%-29%) nos quatro anos seguintes. Por outro lado, é expectável que, no longo prazo (2025-2029), a economia sul-africana cresça apenas 2,1% ao ano.