Weekly Note
Economia Global
Breve análise dos principais temas macro
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As últimas estimativas divulgadas pelo FMI apontam para uma taxa de crescimento do PIB mundial na ordem dos 6,0% em 2021, e dos 4,4% em 2022. Os mais recentes indicadores económicos, publicados um pouco por todo o mundo, parecem ser promissores quanto às perspetivas de recuperação da atividade global: por exemplo, em abril, o PMI compósito aumentou para 56,3 pontos, o que representa o valor mais elevado dos últimos 6 anos. Tal como pode ser observado no gráfico abaixo, as estimativas de evolução de atividade económica, para 2021, registaram uma melhoria generalizada, face ao mês de janeiro. A forte redução das infeções, em especial no Reino Unido e em Israel, aumentou a esperança quanto à eficácia das vacinas, no sentido em que permitam um levantamento sustentado das restrições de atividade que, por sua vez, encoraje as famílias a gastarem parte da poupança acumulada no último ano, e assim nos transporte para uma nova fase de recuperação económica. Apesar de toda a incerteza, o cenário atual pressupõe uma aceleração do crescimento mundial no segundo trimestre deste ano.
Evolução das perspetivas de desempenho económico global, em 2021

No que se refere aos EUA, importa referir que está em curso uma forte recuperação económica, impulsionada pelos avanços ao nível da vacinação e pelo efeito dos elevados estímulos fiscais. O FMI estima que o PIB dos EUA possa crescer 6,4% em 2021, e 3,5% em 2022. Alguns analistas preveem que o crescimento económico americano possa ultrapassar os 7% este ano, o que representaria o ritmo mais elevado dos últimos 40 anos. As estimativas de crescimento atuais podem vir a ser revistas em alta, caso o Congresso aprove o plano de investimento em infraestruturas, no valor de 2,3 biliões de dólares, para os próximos anos. No que respeita às perspetivas de evolução do consumo, salienta-se que as famílias terão acumulado um excesso de poupança de cerca de 1,9 biliões de dólares.
Por outro lado, a Reserva Federal não se tem mostrado preocupada com o eventual sobreaquecimento da economia. Na reunião de março passado ficou assente que a Fed deverá manter os juros próximos de zero até 2023, apesar de estimar que nessa altura a taxa de desemprego já possa ter descido para 3,5% e a inflação seja superior a 2%. No entanto, tal como se pode observar no gráfico abaixo, o mercado antecipa já subidas de taxas de juro antes de 2023.
Até à data, a Reserva Federal mantém o compromisso de juros inalterados até 2023

No que se refere à Zona Euro, as restrições em vigor para combater a segunda vaga da pandemia tornam provável que ainda tenhamos assistido à contração da atividade de alguns Estados membros no decorrer do 1T21. Porém, tendo em conta a recente aceleração no ritmo de vacinação, tornou-se menos improvável o fortalecimento do crescimento económico da região no segundo e terceiro trimestres do ano. O FMI estima que o PIB da Zona Euro possa avançar 4,4% em 2021. A despesa de consumo na Zona Euro continua condicionada, em grande medida, pelos confinamentos em vigor e não tanto pela resposta voluntária à incerteza reinante. A atividade recente com cartões de crédito sugere que os consumidores poderão regressar às lojas físicas quando tal voltar a ser possível.
A despesa de consumo na Zona Euro está a ser condicionada pelas restrições governamentais em vigor

Nesta fase, um dos temas macroeconómicos-chave diz respeito precisamente ao upside potencial que poderá existir caso as famílias gastem o excesso de poupança acumulada ao longo do último ano. Estima-se que as famílias, nas economias avançadas, tenham acumulado poupança no valor de 4,7 biliões de dólares, em resultado dos cortes forçados na despesa com serviços e dos programas de apoio ao rendimento lançados pelos governos.
Excesso de poupança acumulada

O cenário macroeconómico de consenso parece apontar para que uma proporção relativamente pequena deste excesso de poupança, cerca de 5%, seja efetivamente gasta entre 2021-2022. Este cenário assume uma visão cautelosa para a transformação do excesso de poupança em consumo, visto que a poupança está muito concentrada nas famílias de rendimento superior, onde a propensão ao consumo é menor, e pela persistência de elevada incerteza económica, nomeadamente pelo receio de aumentos futuros de impostos que ajudem a financiar o elevado nível de dívida pública da generalidade dos países.

No entanto, dada a ordem de grandeza do stock de poupança acumulado, existe um sério potencial para uma revisão positiva das estimativas macroeconómicas centrais, caso os gastos fiquem acima do esperado, ainda que por uma pequena margem. Este potencial poderá acrescentar entre 0,5-1,5% ao crescimento global de 2022, caso as famílias gastem apenas 15% do excesso de poupança, até ao início de 2023, ou a encarem como rendimento e sejam, por isso, ainda mais agressivas na sua despesa. Os países mais beneficiados por esta situação deverão ser os EUA e o Canadá, tendo em conta que foram os países onde se registou maior acumulação de poupança. Apesar de tudo, as economias europeias também registariam um impulso relevante, caso se materializem os cenários mais agressivos de transformação de poupança em consumo.
Efeitos do consumo do excesso de poupança das famílias
O consumo do excesso de poupança acumulado pelas famílias ao longo dos confinamentos, a par dos elevados montantes dos pacotes de estímulos fiscais, têm trazido para a ribalta um novo tema relacionado com o receio de sobreaquecimento económico.
Os elevados estímulos fiscais ajudaram a reacender os receios de sobreaquecimento económico

No entanto, parece demasiado cedo para concluir que o sobreaquecimento irá efetivamente materializar-se, uma vez que é muito provável que o excesso de poupança das famílias seja consumido de forma gradual e, tal como o gráfico abaixo ilustra, porque vários países partem de output gaps iniciais muito negativos, isto é, encontram-se longe do seu PIB potencial.
Os riscos de sobreaquecimento parecem minorados à luz dos output gaps negativos

A exceção parecem ser os EUA, onde o risco é mais pronunciado devido à combinação entre a forte procura do setor privado e os estímulos fiscais crescentes. Caso se materialize, a inflação Core americana atingirá os 2,5%, em 2022 e 2023, significativamente acima do target da Reserva Federal. Já na Europa, mesmo que os consumidores gastem mais de 15% do seu excesso de poupança, não se perspetiva grande sobreaquecimento da economia.
O risco de reacendimento do nível geral de preços, acima dos objetivos dos Bancos Centrais, é outro dos grandes temas na ordem do dia. Nos últimos anos, o elevado crescimento da oferta de moeda não provocou qualquer disparo na inflação, em resultado da forte redução na velocidade de moeda motivada pela falta de confiança dos agentes económicos na evolução da atividade. No entanto, a velocidade da moeda poderá vir a aumentar com a recuperação pós-pandemia, à medida que o excesso de poupança das famílias é consumido e os riscos económicos reduzem.

A pandemia tem vindo a criar as condições necessárias para o aumento das pressões sobre os preços dos produtos de alguns setores específicos. Por exemplo, no Reino Unido, enquanto os preços do setor hoteleiro registaram forte descida, o aumento da procura pelo comércio online fez disparar os preços da atividade postal. Este tipo de pressões deverá tender a regredir algo quando os consumidores regressarem a um padrão de consumo mais normalizado.
Por outro lado, a pandemia também provocou uma subida dos preços dos bens industriais devido ao aumento dos custos dos inputs, como metais e petróleo, e ao disparo dos custos com transportes marítimos. Algumas destas pressões sobre os preços poderão ser temporárias, sendo de esperar a sua normalização à medida que as cadeias de oferta voltem à situação anterior. No caso dos preços dos metais poderá haver alguma reversão no segundo semestre do ano devido aos aumentos de capacidade projetados. A Vale, uma das maiores empresas de mineração do mundo, planeia expandir a sua capacidade de 300 para 400 milhões de toneladas no final de 2022.
Evolução da inflação no Produtor

A inflação no Produtor a nível global deverá ultrapassar os 6%, no segundo trimestre deste ano, e ficar pelos 4,5% em 2021,como um todo, ou seja, representará a maior subida anual dos últimos 10 anos. No entanto, a partir de 2022, a inflação no Produtor deverá diminuir para cerca de 2%,devido à normalização das cadeias de produção, à regularização da procura, à reversão de efeitos base e às pressões estruturais para a baixa.
A inflação no Produtor deverá atingir 4,5%, em 2021

Outro tema que valerá a pena mencionar prende-se com as perspetivas de forte recuperação do capex em 2021. O capex global deverá crescer cerca de 6% em 2021, após uma queda de 1,2% em 2020. O indicador de encomendas de bens de capital sugere um forte incremento futuro no nível de gastos de capital. Parecem, por isso, estar reunidas condições bastante favoráveis ao desenvolvimento de um boom de capex a nível global, já que as condições de financiamento estão muito atrativas, as famílias e as empresas possuem elevados níveis de poupança e a política fiscal é altamente expansionista. Adicionalmente, o aperto nas condições de concessão de crédito, que teve lugar no início da pandemia, parece estar a ser revertido, principalmente nos EUA.
Condições de concessão de crédito (EUA)

Por seu lado, o comércio internacional tem vindo a recuperar muito mais rapidamente do que no seguimento da crise financeira global (2008-9), sendo expectável que recupere mais de 10% em 2021, após uma queda de 6,1% em 2020.
O comércio global recuperou muito mais rapidamente do que após a crise financeira global

Destaque para o desempenho da China, cujas exportações beneficiaram da sua posição enquanto produtor relevante de equipamento de proteção individual e eletrónica, o que permitiu atingir um crescimento anual de 12% nos volumes de comércio externo, em fevereiro. Já os restantes mercados emergentes e as economias avançadas registaram um crescimento anual de 4% nos volumes de comércio externo, no mesmo mês. Tal como pode ser observado no gráfico abaixo, as economias avançadas encetaram primeiro a recuperação, mas os emergentes têm-se seguido nos últimos meses devido à subida dos preços das commodities.

Os efeitos da guerra comercial EUA-China têm-se sentido de alguma forma, com o comércio entre as duas geografias cerca de 20% abaixo da tendência pré-disputa tarifária. Segundo dados do Peterson Institute, a China terá ficado aquém dos targets fixados para compra de bens americanos em cerca de 40% em 2020, estimando-se que este incumprimento atinja os 25%-40% em 2021.

No que se refere ao comércio bilateral entre o Reino Unido e a União Europeia (UE), é de assinalar a disrupção ocorrida no passado mês de janeiro, com as exportações do RU para a UE a diminuírem 45% e as importações do RU com origem na EU a reduzirem-se 30%, face ao ano anterior. Porém, desde então, parecem ter sido feitos alguns ajustamentos aos novos acordos em vigor, já que em fevereiro, as exportações do RU para a EU recuperaram 50%, em base anual, e as estimativas preliminares para o mês de março sugerem melhoria adicional. Embora ainda seja prematuro para retirar quaisquer conclusões, os últimos dados parecem apontar para uma queda no comércio bilateral, entre as duas regiões, inferior ao estimado nos cenários de consenso.

A componente de serviços continua muito fragilizada, em especial nos segmentos das viagens e dos transportes. Em janeiro, as exportações de serviços dos EUA ficaram 20% abaixo do período homólogo do ano anterior, com as viagens e transportes a recuarem cerca de 60%. Não será expectável uma recuperação célere destes segmentos e não se antecipa que o comércio global de serviços possa regressar aos máximos do 1T20 antes do início de 2024.
Será precisamente devido à fraqueza no segmento de serviços que o comércio global, no médio prazo, deverá manter-se abaixo das previsões existentes antes da crise pandémica. De qualquer forma, a diferença face às anteriores expetativas não deverá ser substancial.

Em suma, o cenário central atual pressupõe uma aceleração do crescimento económico mundial no segundo trimestre deste ano e um consumo mais agressivo do excesso de poupança acumulado pelas famílias ao longo do último ano, poderá traduzir-se num crescimento económico mundial mais forte em 2022. Os riscos de sobreaquecimento da economia parecem minorados em geral, à exceção dos EUA. Relativamente à inflação, será expectável uma subida forte este ano, que deverá ter alguma normalização já em 2022, devido à redução das distorções na oferta e na procura causadas pela pandemia. Parecem estar reunidas as condições para um boom de capex global, no curto prazo, dadas as condições atrativas de financiamento, o elevado nível de poupança dos agentes económicos e os fortes estímulos fiscais. Por último, é de salientar que o comércio global tem recuperado de forma rápida, podendo, no médio prazo, ficar aquém das previsões de tendência pré-pandemia em resultado da fraqueza nos serviços.
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