Weekly Note
Economia da Zona Euro – Update
Vacinação, consumo e inflação
Aceda à Weekly Note em formato pdf
O programa de vacinação na Zona Euro registou uma forte aceleração, desde o início do segundo trimestre, o que se traduziu numa redução significativa do número de novas infeções nos seus principais países membros. As hospitalizações permanecem elevadas, mas estão a registar uma diminuição, e o índice de mortalidade está também a decrescer.
Até meados de maio, cerca de um terço da população, das principais economias da Zona Euro, já tinha recebido pelo menos uma dose de vacina, aumentando assim a probabilidade de se conseguir vacinar 70% da população até ao final do Verão. Caso o atual ritmo de vacinação se mantenha, é mesmo possível que se atinja a imunidade de grupo no decorrer do mês de julho.
Como consequência, tal como mostra o gráfico abaixo, as principais economias do Euro já estão a reduzir o grau das restrições de distanciamento social, tendência que se deverá acentuar nos próximos meses.
As principais economias do Euro estão a começar a reduzir o grau das restrições à atividade
No primeiro trimestre deste ano, o PIB da Zona Euro registou uma contração trimestral de 0,6%, após um recuo de 0,7% no quarto trimestre de 2020. Por um lado, o PIB alemão diminuiu 1,8% devido sobretudo ao recuo de 5,4% na despesa de consumo. O consumo na Alemanha retraiu-se, no início do trimestre, devido à subida do IVA, tendo posteriormente recuperado. Em Espanha, o PIB recuou 0,5% no primeiro trimestre devido também à queda na despesa de consumo e ao recuo no investimento em construção. Já em Itália, registou-se uma contração de 0,4%, após a queda de 1,9% no quarto trimestre de 2020. Por seu lado, a economia francesa surpreendeu pela positiva, tendo avançado 0,4% no primeiro trimestre devido ao crescimento do consumo de bens.
Após a contração no primeiro trimestre do ano, o output da Zona Euro ficou ainda cerca de 5,5% abaixo do nível pré-pandemia, gap que se estima poder vir a ser fechado nos próximos 12-18 meses. De facto, se a Zona Euro conseguir iniciar uma reabertura ampla da economia durante o mês de junho, poderão estar finalmente reunidas as condições para uma recuperação económica que se deverá consolidar no decurso do segundo semestre do ano. Afastado o cenário pessimista de surgimento de uma nova variante resistente à vacina, as estimativas centrais apontam para uma recuperação económica em torno dos 4%, na Zona Euro, em 2021.
O FMI espera que a economia da Zona Euro recupere 4,5% em 2021, enquanto o BCE antecipa um crescimento de 4,0% para este ano. A Comissão Europeia reviu em alta as suas previsões para 4,3% em 2021 e 4,4% em 2022 versus 3,8% na estimativa anterior para os dois anos. A Comissão Europeia justificou a sua revisão em alta com a aceleração da vacinação, aliada a uma recuperação mais forte do que o esperado no comércio global e ao impacto potencial do estímulo fiscal associado ao Fundo de Recuperação e Resiliência (FRR).
Em maio, o indicador PMI compósito da Zona Euro subiu para 56,9 versus 53,8 em abril, prolongando a recuperação iniciada em fevereiro. O índice de manufatura diminuiu para 62,8 versus 62,9 no mês anterior, enquanto o índice de serviços disparou para um máximo de 40 meses (55,1 pontos versus 50,5 em abril). O alívio gradual das restrições e a expectativa de reabertura da economia no Verão já estão a contribuir para uma aceleração na atividade de serviços nas principais economias do Euro.
Em maio, o PMI compósito da Zona Euro subiu para 56,9
Em março, as vendas a retalho na Zona Euro aumentaram 2,7% face ao mês anterior, após a recuperação de 4,2% em fevereiro. O destaque vai para o aumento de 7,7% nas vendas a retalho na Alemanha face ao mês anterior, o qual compensou o recuo de 1,0% registado em França. Ainda assim, os números de março não foram suficientes para evitar uma contração de 2,1% no primeiro trimestre como um todo, após um recuo de 1,0% no quarto trimestre de 2020. O desempenho negativo no primeiro trimestre, como um todo, vem na sequência da subida do IVA na Alemanha, em janeiro, e do impacto das restrições de distanciamento social em geral.
As vendas de bens (excluindo alimentação) nas lojas físicas estão a começar a fechar o gap face à tendência de subida das vendas online. Este pode ser um sinal de que a pandemia começou a restringir menos a economia, no final do primeiro trimestre, apesar de ainda vigorarem medidas de distanciamento social. Para o segundo trimestre já se antevê crescimento nas vendas a retalho da Zona Euro com a expectativa de um ganho robusto no mês de junho.
Vendas a retalho(YoY)
No gráfico abaixo, é possível observar o continuo crescimento dos depósitos das famílias, tendência que se acentuou desde março de 2020 e que corresponde a cerca de 2% do PIB. Esta poderia ser uma medida do contributo para o crescimento económico futuro proveniente de um eventual consumo do excesso de poupança acumulado pelas famílias no último ano. De facto, o cenário central para o crescimento económico da Zona Euro, nos próximos anos, já incorpora nalgum grau esta possibilidade. Convém referir que a extensão da recuperação económica estará muito dependente do nível de consumo que realmente se venha a materializar.
As famílias na Zona Euro acumularam um excesso de poupança equivalente a 2% do PIB
No primeiro trimestre do ano, o emprego na Zona Euro diminuiu 0,3% face ao trimestre anterior, após um aumento de 0,4% no último trimestre de 2020. Os dados entretanto avançados por diversos Estados-membros parecem apontar para efeitos negativos resultantes de ajustamentos sazonais e de calendário no primeiro trimestre. De qualquer forma, importa referir que, no conjunto dos últimos dois trimestres, o emprego aumentou quase 0,1%, mesmo com a economia em recessão. Alguns dados entretanto divulgados, parecem afastar a hipótese de inversão da tendência de recuperação do nível de emprego. De facto, os mais recentes inquéritos colocam as expectativas de emprego na indústria e nos serviços em níveis superiores ao registado no seguimento da crise financeira global (2008-09). Por outro lado, os pedidos de subsídio de desemprego estão a recuar em base anual, e a melhorar sequencialmente. Na Alemanha, os pedidos de subsídio de desemprego têm vindo a diminuir desde agosto. Em Espanha, assiste-se a uma melhoria na tendência desde fevereiro, mas em França o número de desempregados tem-se mantido estável.
A questão que subsiste prende-se com a rapidez de reintegração dos trabalhadores ausentes, no mercado laboral, e quais os postos de trabalho onde poderão ser absorvidos. Estima-se que os trabalhadores ausentes possam representar cerca de 3,5% do emprego total, levantando suspeitas de que o desemprego real possa na verdade superar o valor oficial de 8,1%.
Em termos de política fiscal, importa relembrar que, no âmbito da NextGenerationEU, o Fundo de Recuperação da UE representa um acréscimo orçamental no valor de 750 mil milhões de euros, entre 2021-2027, fazendo com o que total plurianual atinja 1,8 biliões de euros. Deste modo, o Fundo de Recuperação, como um todo, representa 7% do PIB da UE em 2021, embora a parcela de subvenções no valor de 312 mil milhões de euros corresponda apenas a 4% da mesma grandeza.
O cálculo de estimativas, para o potencial impacto sobre o crescimento económico proveniente do pacote de estímulos acima referido, está à partida dificultado pela incerteza relativa ao timing e natureza dos projetos em questão. De facto, são muitas as dúvidas acerca do efeito multiplicador dos estímulos nos vários países, o qual depende da qualidade dos projetos propostos e da capacidade dos governos em executá-los atempadamente. Num cenário limite, a prazo, há que considerar o risco de crowding out, no qual a expansão fiscal do governo acaba por provocar uma subida das taxas de juro e, como tal, uma diminuição do investimento privado. Tal cenário não pode ser excluído, em especial à luz das dificuldades encontradas ao nível da oferta, no pós-pandemia.
Em 2020, a dimensão dos estímulos fiscais aplicados à economia norte americana foi significativamente superior aos da Zona Euro. O gap entre o défice orçamental dos EUA face à Zona Euro alargou para 9 pontos percentuais, em 2020, um valor sem precedente desde meados dos anos 90. Em 2020, o défice orçamental dos EUA foi cerca de 16%-18% do PIB versus 8%-9% para a Zona Euro. Para 2021, as estimativas de consensus apontam para a manutenção do gap, com o défice nos EUA em 14% do PIB versus 6% na área do Euro.
Evolução dos défices orçamentais (Zona Euro vs EUA)
Em linha com estes números, temos assistido, desde o início deste ano, a um alargamento do spread entre as estimativas de crescimento nos EUA e na Zona Euro justificado precisamente pelo elevado estímulo fiscal, de 1,9 biliões de dólares, associado ao American Rescue Plan anunciado pela administração Biden. Segundo dados da Bloomberg, os analistas esperam que o PIB dos EUA cresça 6% em 2021 versus 4% para a Zona Euro. No entanto, para 2022, o consensus já espera que ambas as economias cresçam 4% não diferenciando para já o impacto dos estímulos fiscais nas duas geografias. Nos próximos meses, valerá a pena monitorizar de que forma as estimativas de crescimento económico para a Zona Euro, em 2022, poderão variar, em função das expectativas sobre o impacto do Fundo de Recuperação sobre a economia da região.
Em março, o excedente da balança corrente da Zona Euro diminuiu para 17,8 mil milhões de euros versus 25,9 mil milhões de euros em fevereiro, em resultado do recuo do excedente comercial de bens para 23,8 mil milhões de euros (versus 32,5 mil milhões de euros em fevereiro). Em termos percentuais, o excedente da balança corrente passou de 3,5% do PIB no quarto trimestre de 2020, para 2,8% do PIB no primeiro trimestre de 2021. A melhoria do outlook económico para os EUA, em 2021, poderá traduzir-se num aumento do excedente comercial da Zona Euro com os EUA nos próximos anos. A Comissão Europeia reviu em alta as suas previsões para as exportações da UE, que espera agora que cresçam 8,3% em 2021 e 6,4% em 2022 versus 5,8% e 4,4% nas anteriores estimativas. O BCE também reviu em alta, de 1,7 pontos percentuais, a sua estimativa para a procura externa da área do Euro que deverá crescer 8,3% em 2021. Segundo a Comissão Europeia, os estímulos fiscais nos EUA deverão contribuir positivamente para o crescimento económico norte-americano, em 3pp em 2021 e 0,5pp em 2022, o que se poderá traduzir num acréscimo de 0,5pp ao crescimento do PIB na Zona Euro em 2021 e 2022, via incremento de exportações.
Em abril, a taxa de inflação na Zona Euro aumentou para 1,6% versus 1,3% em março. A inflação na energia aumentou para 10,3% versus 4,7% em março, porém a inflação nos alimentos, álcool e tabaco recuou 0,4 pontos percentuais, para 0,7%. A taxa de inflação Core diminuiu para 0,7% versus 0,9% em março. Dado o tradicional lag entre a evolução dos preços do petróleo e da componente de energia do indicador de inflação, é expectável que continuemos a assistir à subida da inflação derivada da energia, que poderá atingir cerca de 15%, em maio, e assim colocar a taxa de inflação nos 2%-2,5%.
De facto, a subida da inflação é um dos temas macroeconómicos atualmente em destaque, no sentido em que esse incremento possa ser ou não considerado um fenómeno temporário. Nos mercados, as expectativas de inflação têm vindo a subir acentuadamente, desde o início do ano, sinalizando um nível de preços próximo do target do BCE. Os inquéritos mais recentes às empresas também têm evidenciado um aumento das expectativas inflacionistas. Por seu lado, no mês de abril, a medida da Comissão Europeia para as expectativas das famílias quanto ao futuro dos preços atingiu um máximo de 10 meses.
Até agora, o BCE tem encarado esta questão como transitória. Em comentários este mês, o chief economist do BCE, Philip Lane, veio afastar o risco de subida sustentada de inflação. Já a Presidente do BCE, Christine Lagarde, afirmou recentemente que pretende manter condições financeiras favoráveis ao longo da pandemia e que qualquer aceleração na inflação este ano deverá ser temporária. O BCE prefere assim continuar a basear-se no seu mais recente inquérito trimestral SPF (Survey of Professional Forecasters), onde o consenso geral ainda espera que a inflação na Zona Euro permaneça abaixo dos targets a 2 e a 5 anos, atingindo 1,4% e 1,7%, respetivamente. As próprias previsões do BCE para a inflação na Zona Euro (que serão revistas em junho), ainda apontam para apenas 1,2% em 2022, e 1,4% em 2023.
Do lado do produtor, a pressão inflacionária é evidente já que a situação atual envolve preços de matérias-primas e de energia em alta, estrangulamentos nas cadeias de valor globais e disrupções na logística, a par de uma procura crescente em recuperação da crise pandémica. Os indicadores de PMI espelham esta situação, com os stocks na manufatura a diminuírem ao ritmo mais elevado desde 2009 e as empresas obrigadas a satisfazer a procura através de stocks. Alguns inquéritos já divulgados revelaram que 80% das empresas industriais alemãs estão a sofrer adiamentos no abastecimento dos inputs que utilizam. Para já, não é possível excluir a hipótese desta situação também se vir a estender ao setor de serviços, num contexto de reabertura da economia e recuperação da procura.
Por outro lado, a negociação salarial na Zona Euro melhorou ligeiramente no final de 2020, cerca de 2% em base anual, mas nesta fase é razoável admitir que o crescimento salarial não sugere um nível elevado de inflação Core subjacente.
Na sua última reunião, o BCE manteve as taxas de juro de referência inalteradas e reiterou a mensagem de que, no segundo trimestre, o ritmo de compras associado ao PEPP deverá ser superior ao dos primeiros meses do ano. O BCE fez constar que ainda era prematuro discutir um eventual abrandamento das compras no terceiro trimestre do ano. Nas últimas semanas, o ritmo de compras tem de facto acelerado em direção aos 20 mil milhões de euros por semana.
O BCE tem realizado compras semanais de 20 mil milhões de euros, via PEPP
A eventual redução do ritmo de compras do PEPP é uma decisão que se apresenta difícil para o BCE à luz do rally verificado nos mercados acionistas, do facto do output da Zona Euro ainda se encontrar 5,5% abaixo do nível pré pandemia, bem como da necessidade dos governos dos Estados-membros ainda precisarem de ajuda da política monetária para manutenção das yields baixas, por forma a prosseguirem com o seu suporte fiscal.
Para a próxima reunião, a realizar em junho, é expectável a manutenção do ritmo de compras do PEPP, o qual só deverá vir a ser reduzido, para 50 mil milhões de euros por mês, a partir do terceiro trimestre, deixando o QE total do BCE em 70 mil milhões de euros por mês, durante o segundo semestre do ano. Uma decisão mais definitiva terá de surgir no quarto trimestre do ano, quando o BCE tiver de decidir se termina totalmente o programa PEPP com efeito no primeiro trimestre de 2022.
Caso a inflação na Zona Euro venha a revelar-se mais persistente, a necessidade de subir taxas de juro colocará o BCE numa situação muito difícil, tendo em contas as fortes implicações orçamentais fortes que daí resultam em função do elevado nível de endividamento dos vários países. Em resumo, a evolução da inflação na Zona Euro ainda é moderada e admite-se que possa vir a revelar-se temporária, regressando a níveis mais contidos a partir de 2022.
Em suma, a aceleração da vacinação no início do segundo trimestre do ano permitiu uma melhoria do outlook económico para a Zona Euro, devido à possibilidade de reabertura no início do Verão. Assim sendo, será expectável que a Zona Euro consiga registar crescimento económico positivo no segundo trimestre e uma retoma mais acelerada na segunda metade do ano. A extensão da recuperação económica estará dependente do grau de consumo, por parte das famílias, do excesso de poupança acumulada no último ano. Num prazo mais alargado, subsistem dúvidas sobre o nível de crescimento económico que a união do Euro possa atingir, tendo em conta a incerteza sobre a eficácia dos estímulos provenientes do Fundo de Recuperação e o elevado nível de desemprego. Relativamente à inflação, o cenário central admite que a recente subida é temporária, mas que será necessário monitorizar a sua evolução dado o risco de retirada prematura dos estímulos por parte do BCE, decisão que se poderia revelar problemática no contexto do elevado grau de endividamento dos Estados-membros.