Weekly Note
World Employment and Social Outlook – Trends 2021 (ILO)
Principais conclusões
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Recentemente, a International Labour Organization (ILO) divulgou o seu relatório intitulado World Employment and Social Outlook – Trends 2021, no qual retrata os principais impactos da crise pandémica no mercado laboral mundial e traça as suas perspetivas para o futuro. Nesta weekly note fazemos uma síntese das principais conclusões do relatório.
Como é do conhecimento geral, a pandemia tem vindo a provocar uma forte disrupção nos mercados laborais a nível mundial. Um pouco por todo o mundo, os governos delinearam e implementaram inúmeras medidas de prevenção, como programas de lay-off e apoio financeiro às empresas, no entanto as mesmas não se revelaram suficientes para debelar os problemas promovidos pelo contexto pandémico.
Em 2020, a redução de 8,8% no número de horas trabalhadas, a nível mundial, não tem precedente. O cálculo é efetuado por comparação a um cenário onde não tivesse existido pandemia. Entre 2008 e 2009, aquando da crise financeira global, o número de horas trabalhadas até aumentou 0,2%, já que os trabalhadores por conta própria trabalharam mais horas, por forma a compensar as perdas de rendimento. Nessa altura, apenas os países de elevado rendimento registaram um decréscimo no número de horas trabalhadas.
No início de 2021, as perdas de horas trabalhadas variavam consoante a região e conforme o grau de retirada das restrições, nomeadamente ao nível do encerramento dos locais de trabalho. A ILO estima que, a nível mundial, a queda no número de horas trabalhadas seja de 4,4% no 1T e 4,8% no 2T de 2021, equivalente a 140 e a 127 milhões de postos de trabalho a tempo inteiro (FTE). Tal como se pode observar no gráfico abaixo, as regiões que continuam a registar maiores perdas no número de horas trabalhadas, no primeiro e no segundo trimestre deste ano, são as Américas, a Europa e a Ásia Central.
A crise Covid-19 distingue-se das restantes, no sentido em que uma elevada proporção de trabalhadores manteve o emprego, embora trabalhando menos ou mesmo nenhuma hora. Tal situação resultou da implementação de programas de lay-off nalguns países, bem como do facto dos trabalhadores por conta própria necessitarem de manter a sua atividade.. Neste contexto, a evolução das horas trabalhadas revela-se um indicador mais eficaz para aferir o impacto da crise no emprego. As perdas ao nível das horas trabalhadas refletem, por um lado, as perdas de emprego (indivíduos que passam do emprego para o desemprego ou para a inatividade após serem despedidos), por outro, a redução das horas trabalhadas por parte dos que mantiveram o emprego (trabalhadores por conta própria ou trabalhadores em lay-off).
Em 2020, a redução no número de horas trabalhadas, a nível global, é equiparada à perda de 255 milhões de postos de trabalho a tempo inteiro (FTE). A redução do emprego pode ser decomposta entre um aumento da inatividade (81 milhões de pessoas) e um incremento no número de desempregados (33 milhões), equivalente a perdas efetivas de emprego FTE na ordem dos 98 milhões de pessoas. Por seu lado, a diminuição no número de horas trabalhadas por parte dos que mantiveram o emprego, atingiu os 131 milhões de empregos FTE.
Distribuição das perdas globais de horas de trabalho, em 2020
Nas anteriores crises verificou-se um maior paralelo entre a queda no emprego e o aumento no desemprego. Porém, na atual crise, muitos dos que perderam o seu emprego não puderam procurar trabalho devido às restrições de distanciamento social impostas pelos governos dos diversos países. Como tal, os trabalhadores passaram diretamente de empregados a inativos. Em 2020, o desemprego a nível mundial aumentou cerca de 33 milhões de pessoas, mas em simultâneo mais 44 milhões de pessoas tornaram-se força laboral potencial – indivíduos inativos à procura de emprego, mas não disponíveis; e indivíduos inativos disponíveis, mas que não estão a procurar trabalho. Por comparação, em 2009, o desemprego a nível mundial aumentou 22 milhões de pessoas, enquanto a potencial força laboral subiu apenas 6 milhões. Em 2020, a taxa de participação da força de trabalho, a nível mundial, diminuiu 2,2pp, para 58,7%, uma queda que perfaz a redução agregada verificada na década até 2019.
Espera-se que o emprego recupere em 2021 e 2022, mas de forma insuficiente para colmatar o défice criado pela crise. Em 2021 o emprego deverá crescer em 100 milhões de postos, seguido de mais 80 milhões de empregos em 2022. No entanto, o défice de empregos induzido pela pandemia deverá permanecer em 75 milhões e 23 milhões, em 2021 e 2022, respetivamente.
Em geral, a recuperação económica deverá permitir o regresso dos indivíduos à força laboral, não obstante, a falta de empregos disponíveis deverá provocar um aumento no desemprego. Em 2022, o desemprego a nível mundial deverá atingir 205 milhões de pessoas, correspondente a uma taxa de 5,7%, sendo este o máximo desde 2013. A deterioração no mercado laboral também resultou numa queda do rendimento do trabalho a nível mundial. Em 2020, o rendimento do trabalho a nível global diminuiu 8,3%, face ao estimado para um cenário sem pandemia. Esta redução equivale a uma perda de 3,7 biliões de dólares (câmbios de 2019), cerca de 4,4% do PIB mundial de 2019. Já no primeiro semestre deste ano, o rendimento do trabalho a nível global deverá diminuir aproximadamente 5,3%, cerca de 1,3 biliões de dólares. Existem, no entanto, diferenças consideráveis consoante as regiões, com quedas mais pronunciadas nas Américas e em África.
Em 2020, o rendimento do trabalho a nível global diminuiu 8,3%
Em 2020, os países de elevado rendimento registaram uma perda de 8,3% nas horas trabalhadas, superior à queda de 7,8% verificada no rendimento do trabalho. Nestas economias, as perdas de emprego foram concentradas nos trabalhos de menores qualificações (setores de turismo e alojamento) e como tal menores salários. Já nos países menos desenvolvidos, o rendimento do trabalho diminuiu 7,9% enquanto as horas trabalhadas recuaram 6,8%. Neste caso, a falta de proteção social obriga os trabalhadores a terem de continuar a trabalhar, só que a níveis salariais mais baixos em função da menor disponibilidade de empregos. O rendimento do trabalho também pode diminuir mesmo que as horas trabalhadas se mantenham inalteradas, quer no caso dos trabalhadores que podem ser obrigados a aceitar cortes salariais (especialmente os trabalhadores informais sem contrato), quer no caso dos trabalhadores por conta própria que enfrentam quedas de rendimento apesar de prosseguirem a sua atividade normal.
O número de “trabalhadores pobres”, a ganhar um valor inferior a 1,90 dólares por dia, em termos de paridade de poder de compra, aumentou em 31 milhões a nível mundial em 2020, colocando a “taxa de pobreza do trabalho” em 7,8% (versus 6,6% em 2019), o que representa um regresso aos níveis de 2015.
Embora seja expectável que a recuperação económica e de emprego se materialize já em 2021, prevê-se que esta seja desigual entre as várias regiões do globo e que a mesma não seja suficiente forte para colmatar os défices de emprego criados pela crise. A recuperação económica estará assente na disponibilidade das vacinas, no grau de retirada das medidas de distanciamento social e de encerramento dos locais de trabalho e, naturalmente, nos efeitos das políticas monetária e fiscal implementadas. No que respeita ao acesso às vacinas, há um claro enviesamento a favor dos países de elevado rendimento. Já os países menos desenvolvidos possuem menor margem de manobra para atuar e implementar os necessários estímulos fiscais.
A profundidade da atual crise poderá ter deixado marcas profundas, tanto ao nível dos trabalhadores como das próprias empresas, que serão difíceis de ultrapassar mesmo que as condições macroeconómicas registem uma melhoria significativa. De facto, os trabalhadores podem enfrentar períodos de desemprego prolongados, sentirem-se menos encorajados para procurar novos empregos ou verem-se “obrigados” a aceitar postos de trabalho de baixa qualidade. Trabalhadores que fiquem “armadilhados” em empregos de baixa qualidade, durante um longo período de tempo, podem não ter condições para melhorar as suas qualificações, por forma a aceder a melhores oportunidades. Todas estas disrupções podem ter consequências negativas no longo prazo, afetando para sempre as suas trajetórias de emprego futuras. Já as empresas, podem ter acumulado dívida ou mesmo entrado em falência, reduzindo as perspetivas e capacidade de investimento e, como tal, de restaurar os empregos perdidos.
A ILO traçou 3 cenários alternativos para a evolução do mercado laboral a nível mundial, nos próximos 2 anos – central, otimista e pessimista.
O cenário central admite que as campanhas de vacinação nos países desenvolvidos vão permitir a retirada das medidas de encerramento dos locais de trabalho. Os elevados estímulos fiscais nesses países deverão permitir a materialização da recuperação económica a partir do 3T21. A recuperação global também deverá ser ajudada pela retirada das restrições nos países menos desenvolvidos que, apesar da pandemia em curso, não têm condições para manter confinamentos durante longos períodos. Ainda assim, neste cenário, admite-se um claro desequilíbrio no acesso às vacinas entre os países mais ricos e os mais pobres. Nos países menos desenvolvidos, a recuperação do emprego é acompanhada por menores remunerações e menor estabilidade do posto de trabalho.
No entanto, a recuperação do mercado laboral parece revelar-se insuficiente para colmatar os défices de emprego criados pela crise. Em 2022, as estimativas para o rácio horas semanais trabalhadas/população, com idade compreendida entre os 15 e os 64 anos, para o rácio emprego/população e para a taxa de participação da força laboral, fazem-nos crer que estarão abaixo dos níveis de 2019. Em 2022, o défice de empregos criado pela crise ficará em 23 milhões de postos e o desemprego deverá superar o nível de 2019 em 18 milhões de pessoas. Em 2021 e 2022, o número de horas trabalhadas deverá ficar 3,5% e 0,9% aquém do cenário sem pandemia. Deste modo, as perdas em termos de empregos FTE, face ao cenário sem pandemia, reduzem-se de 255 milhões em 2020, para 100 milhões em 2021, e 26 milhões em 2022.
No cenário central, em 2021 e 2022, o número de horas trabalhadas deverá ficar 3,5% e 0,9% aquém do cenário sem pandemia
Tal como se pode observar na tabela acima, em 2022, os países de baixo rendimento deverão registar as maiores perdas de horas trabalhadas face ao cenário sem pandemia – cerca de 1,4% versus 0,3% nos países de elevado rendimento. Porém, em 2021, os países de elevado rendimento deverão registar perdas de horas trabalhadas mais fortes devido a medidas de confinamento mais estritas impostas no semestre em curso. À medida que a recuperação se efetiva, espera-se que estes últimos recuperem mais rapidamente devido ao maior acesso às vacinas e aos elevados estímulos fiscais, com maior destaque para os EUA.
No cenário otimista, o vírus é controlado mais rapidamente devido ao sucesso da vacinação e à sua distribuição mais equitativa. A melhoria da situação económica nos países mais desenvolvidos impulsiona as exportações dos países mais pobres, aumentando a confiança de empresas e famílias e possibilitando uma recuperação económica mais rápida. As disrupções no emprego revelam-se temporárias. Neste cenário, a perda de horas trabalhadas a nível global, face ao cenário sem pandemia, poderá ser totalmente recuperada em 2022.
No cenário pessimista, a pandemia não consegue ser controlada num futuro próximo devido a disrupções na distribuição das vacinas, à falta de vacinas nos países em desenvolvimento, à ineficácia das vacinas face a novas variantes do vírus e/ou à relutância por parte das populações em serem vacinadas. Neste caso, a recuperação do mercado laboral será fortemente prejudicada. Neste cenário, em 2022, a perda nas horas trabalhadas face ao cenário sem pandemia ainda será de 2,7%. Em 2021, apenas será recuperada metade da perda de horas trabalhadas verificada em 2020.
Em geral, a recuperação no número de horas trabalhadas será motivada pelo regresso ao trabalho dos trabalhadores em lay-off ao invés da criação de novos empregos. Ao mesmo tempo, as empresas serão tentadas a aumentar o número de horas de trabalho dos trabalhadores em lay-off, antes de recrutarem novos. Para além disso, nas regiões onde foram disponibilizados fortes apoios financeiros às empresas, existe o risco de surgimento duma onda de falências quando tais suportes forem retirados. Assim sendo, será expectável que a conjunção do aumento das horas de trabalho, com menor capacidade de recrutamento e com maior número de falências de empresas, possa levar a novo aumento do desemprego ou da inatividade.
Após a perda de 114 milhões de empregos em 2020, o emprego deverá aumentar em 100 milhões de novos postosem 2021, e 80 milhões em 2022. Desta forma, em 2022, o emprego total deverá superar o nível de 2019 em 66 milhões. Porém, este crescimento do emprego será insuficiente para fazer face ao incremento da população em idade de trabalho, entre 2019 e 2022. Desta forma, o défice de empregos induzido pela pandemia deverá permanecer em 75 milhões de postos de trabalho, em 2021, e 23 milhões em 2022. Este défice acresce ao elevado grau de desemprego ou subemprego que teria persistido mesmo na ausência de pandemia.
Será expectável que o desemprego, que representou uma pequena proporção da perda de horas trabalhadas em 2020, venha a tornar-se a principal componente do défice de empregos induzido pela crise no final de 2022. À medida que a situação económica melhore e que as restrições sejam retiradas, um elevado número de pessoas, antes inativas, deverá regressar à força laboral. No entanto, devido à falta de empregos suficientes, o desemprego a nível mundial deverá permanecer elevado em 2021 e 2022, atingindo cerca de 220 e 205 milhões de desempregados, respetivamente.
A nível global, no final de 2022, o rácio emprego/população a nível global deverá ficar 1 ponto percentual (pp) aquém do nível de 2019 e a taxa de participação da força laboral deverá ficar, no final de 2022, cerca de 0,8pp abaixo do nível de 2019. A taxa de desemprego a deverá igualar 5,7% em 2022, um regresso aos níveis de 2013. Contrariamente a essa altura, o elevado desemprego, correspondente a 205 milhões de pessoas em 2022, será sobretudo proveniente dos países de rendimento médio, já que os países de elevado rendimento deverão conseguir reduzir as suas taxas de desemprego mais rapidamente devido ao acesso privilegiado às vacinas e aos estímulos fiscais sem precedente.
No final de 2022, o rácio emprego/população a nível global deverá ficar 1pp aquém do nível de 2019
O crescimento médio da produtividade a nível global também deverá ser negativamente afetado, sendo expectável que cresça apenas 1,1% ao ano, entre 2019 e 2022, cerca de dois terços abaixo do ritmo pré-crise. A lenta recuperação do investimento, as empresas a operarem abaixo da sua capacidade e a falência de alguns negócios deverão contribuir para a fraqueza do crescimento no output por trabalhador durante este período.
A situação será claramente mais grave nos países de menor rendimento, onde a pobreza e a falta de proteção social estão a obrigar as pessoas a aceitar empregos de baixa produtividade, muitas vezes de carácter informal. Trata-se de uma recuperação do emprego, mas à custa da qualidade do posto de trabalho. O crescimento médio da produtividade neste grupo deverá ser efetivamente negativo em 1,1% entre 2019-2022 versus um aumento de 0,8% no período 2016-2019. No final de 2022, o PIB por trabalhador nestes países deverá ser, em média, 3% abaixo do nível de 2019.
Em suma, a pandemia provocou uma forte disrupção nos mercados laborais a nível mundial. Em 2020, a redução de 8,8% no número de horas trabalhadas não tem precedente e equivale à perda de 255 milhões de postos de trabalho FTE face a um cenário sem pandemia. Espera-se que o emprego recupere em 2021 e 2022, mas de forma insuficiente para colmatar o défice criado pela crise. O cenário central da ILO pressupõe que, em 2021, o emprego deverá crescer 100 milhões de postos de trabalho, seguido de mais 80 milhões em 2022. No entanto, o défice de empregos induzido pela pandemia deverá ainda assim permanecer em 75 milhões de postos em 2021 e 23 milhões em 2022. A recuperação do mercado laboral deverá ser lenta e gradual, prevendo-se que a taxa de desemprego a nível global se situe em 5,7% em 2022, um regresso aos níveis de 2013. De facto, a profundidade da crise poderá ter deixado marcas nos trabalhadores e nas empresas que serão difíceis de ultrapassar mesmo que as condições macroeconómicas melhorem. As disrupções causadas pela pandemia podem ter consequências negativas no longo prazo, afetando para sempre as trajetórias de emprego futuras de muitos trabalhadores.