Weekly Note
FMI – World Economic Outlook (out’21)
Primeiros sinais de Estagflação?
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O FMI divulgou o World Economic Outlook (WEO) de outubro de 2021, com a atualização das suas projeções para o crescimento económico e inflação, a nível global, nos próximos anos.
O FMI voltou a salientar as divergências de crescimento entre as várias regiões do globo devido sobretudo ao acesso à vacinação. As economias avançadas destacam-se pela positiva tendo progredido de forma notável ao nível da administração de vacinas, que nesta fase já atinge cerca de 58% da população. Por seu lado, os mercados emergentes têm agora cerca de 36% da população vacinada, enquanto os países em desenvolvimento de baixo rendimento alcançaram apenas 5%. O acesso à vacinação dividiu a recuperação global em dois blocos: países que podem esperar uma “normalização” adicional até ao final de 2021 (grupo que engloba praticamente a totalidade das economias avançadas) e as regiões que ainda se poderão deparar com o ressurgimento do vírus e das suas possíveis consequências económicas.
Grau de vacinação a nível mundial

A contribuir também para o agravamento da divergência nas dinâmicas de crescimento, entre os vários países, surge o impacto da política fiscal, que tem sido visivelmente notório nas economias mais avançadas. Pelo contrário, inúmeros mercados emergentes já começaram a reduzir os seus apoios à economia em virtude do reduzido espaço de manobra fiscal que o prolongamento da pandemia acabou por materializar.
Vários mercados emergentes já se encontram em fase de aperto fiscal

O FMI sublinha que a continuação da circulação do vírus, especialmente nos países com baixas taxas de vacinação, permanece uma ameaça para a recuperação económica e sanitária a nível global. O Fundo refere o risco de surgimento de variantes mais transmissíveis e perigosas enquanto uma elevada proporção da população mundial permanecer sem proteção.
Covid-19 – Evolução de novos casos

Neste documento, o FMI estima que a economia mundial cresça cerca de 5,9% em 2021 e 4,9% em 2022. A previsão para 2021 foi revista em baixa em 0,1pp face à anterior (WEO julho 2021) devido ao downgrade na previsão para as economias avançadas e para os países em desenvolvimento de baixo rendimento. Tais revisões foram parcialmente compensadas por uma melhoria de perspetivas no curto prazo para os mercados emergentes e economias em desenvolvimento, exportadoras de commodities. Para 2022, a estimativa de crescimento global manteve-se inalterada face à anterior.
No que se refere às economias avançadas, as previsões de crescimento económico para 2021 foram revistas em baixa devido sobretudo ao downgrade dos EUA, em virtude do impacto negativo das disrupções nas cadeias de distribuição e produção. A estimativa para a Alemanha também sofreu uma revisão em baixa devido ao impacto da escassez de inputs necessários à produção manufatureira. Já o Japão viu a sua estimativa cortada para este ano devido ao efeito da imposição do quarto estado de emergência, que vigorou de julho a setembro, na sequência do nível record de infeções. No total, o FMI estima que as economias avançadas em geral cresçam 5,2% em 2021 e 4,5% em 2022. De referir que as projeções para os EUA incluem o pacote de investimento em infraestruturas e a expansão da rede de segurança social, equivalente a 4 biliões de dólares de despesa na próxima década. O cenário central assume também as subvenções e empréstimos associados ao Next Generation UE para as economias da UE. Para 2022, a estimativa de crescimento das economias avançadas foi ligeiramente revista em alta devido à antecipação de um 1S22 mais forte à medida que o grau de vacinação da população progride.
No que se refere aos mercados emergentes e economias em desenvolvimento, a previsão para 2021 foi revista ligeiramente em alta, em 0,1pp, devido ao upgrade de estimativas para a maioria das regiões. Em geral, o FMI estima que os mercados emergentes e economias em desenvolvimento cresçam 6,4% em 2021 e 5,1% em 2022. As projeções para a China foram ligeiramente revistas em baixa devido ao recuo, mais forte do que o esperado, no investimento público. As economias da Ásia emergente e em desenvolvimento também foram ligeiramente revistas em baixa devido à esperada aceleração da pandemia. Já as estimativas de crescimento para as restantes regiões foram revistas ligeiramente em alta, para 2021, com a melhoria de outlook para os exportadores de commodities a mais do que compensar a deterioração ao nível da pandemia (América Latina e Caraíbas, Médio Oriente e Ásia Central, África subsariana). De assinalar também que a procura doméstica, mais forte do que o esperado na Europa de Leste, serve para justificar as revisões em alta para 2021.
Principais previsões de crescimento económico mundial (2021-22)

Em termos das principais hipóteses assumidas no cenário central traçado pelo FMI, importa referir a assunção de que a maioria dos países atinge a vacinação generalizada no final de 2022 e que, apesar de não conseguirem erradicar a transmissão da SARS-CoV2, as vacinas poderão ser eficazes contra os efeitos mais adversos da doença. Nesse sentido, o cenário central assume que as hospitalizações e mortes deverão, em geral, atingir baixos níveis de ocorrências lá para o final de 2022, através da conjugação entre a melhoria de acesso às vacinas e os tratamentos de prevenção mais eficazes. As projeções contemplam ainda a possibilidade de surgirem vagas virais adicionais até que as vacinas estejam generalizadamente disseminadas.
Para além da continuação do suporte fiscal nas economias avançadas, o cenário central pressupõe a manutenção das condições financeiras, em geral, nomeadamente ao nível dos spreads de crédito, mercados acionistas e fluxos de capital para os mercados emergentes.
Em termos de outlook económico de médio prazo, o FMI estima que, após 2022, o crescimento global modere para cerca de 3,3%. O output das economias avançadas deverá evoluir acima das projeções de médio prazo existentes pré pandemia, maioritariamente pelo efeito da política fiscal norte americana. Pelo contrário, a trajetória de output a médio prazo dos restantes grupos de regiões deverá ficar abaixo do previsto antes da pandemia devido a um progresso mais lento na vacinação e à menor capacidade para manter o apoio fiscal.
Em geral, a trajetória da atividade económica a médio prazo deverá ficar abaixo do projetado antes da pandemia

O FMI admite que, nesta fase, o cenário central está envolto num elevado grau de incerteza, com fortes riscos de downside, quer no curto quer no médio prazo. O Fundo enumera alguns dos principais riscos, que têm à cabeça a possibilidade de surgimento de novas variantes, mais transmissíveis e perigosas, que prolongariam o surto pandémico e prejudicariam a evolução económica. Por sua vez, a reintrodução de restrições à mobilidade poderia prolongar as disrupções nas cadeias de oferta. Uma maior lentidão no processo de vacinação, nos mercados emergentes e economias em desenvolvimento, bem como uma maior hesitação face às vacinas, nos países em que os programas de vacinação estão mais avançados, poderão exacerbar estes riscos.
Por outro lado, se os desequilíbrios entre procura e oferta relacionados com a pandemia persistirem durante mais tempo do que o esperado, as pressões inflacionistas poderão tornar-se sustentadas e poderemos assistir a uma subida das expectativas de inflação. Nesse caso, a necessidade de normalização da política monetária, mais rápida do que o esperado, poderá provocar um aperto repentino das condições financeiras a nível global. Nessa situação, o mercado acionista poderá ressentir-se e poderemos assistir a um rápido ajustamento do preço nos ativos financeiros em geral. Os mercados emergentes e economias em desenvolvimento com elevada dívida em moeda estrangeira poderão ficar particularmente expostos. O Fundo alerta também para o risco de volatilidade nos mercados financeiros, já que num contexto de valorizações elevadas, o sentimento dos investidores pode alterar-se rapidamente em face de desenvolvimentos adversos ao nível da pandemia ou da política monetária.
Uma alteração significativa da dimensão ou composição do pacote de estímulos fiscais nos EUA poderá ter repercussões negativas no crescimento desse país e dos seus parceiros comerciais. O Fundo salienta também os riscos de aumento da instabilidade social no contexto da pandemia, de subida dos preços dos alimentos, da lentidão no crescimento do emprego e da erosão da confiança nos governos.
Relativamente à inflação, o FMI começa por salientar que nos últimos meses, as taxas de inflação têm registado uma subida rápida nas economias avançadas (sobretudo nos EUA) e nalguns mercados emergentes e em desenvolvimento. A inflação Core, excluindo alimentação e energia, também tem registado subidas, em muitos países, embora em menor grau.
As taxas de inflação têm registado uma subida rápida nas economias avançadas e nalguns mercados emergentes

Um dos motivos para a recente subida da inflação prende-se com os bloqueios nas cadeias de oferta decorrentes da pandemia. A forte contração da procura, em 2020, provocou um decréscimo nas encomendas de inputs intermédios por parte de muitas empresas. Assim sendo, quando a recuperação ganhou tração em 2021, muitos produtores viram-se incapazes de aumentar a oferta suficientemente rápido. Por outro lado, a pandemia trouxe vários bloqueios ao transporte marítimo de contentores, comprometendo os timings de entrega e fazendo disparar os preços. Exemplos disto são o encerramento do Canal Suez, as restrições nos portos no Delta do Rio das Pérolas na China, no seguimento de surtos de Covid, e o congestionamento nos portos de Los Angeles e Long Beach. Tal como se pode observar no gráfico abaixo, a recente subida do Baltic Dry Index, espelhando um aumento do preço dos fretes internacionais para as principais matérias-primas, é na sua maioria explicada por estrangulamentos do lado da oferta.
Nos últimos meses, tem-se assistido à subida do custo dos fretes internacionais devido a estrangulamentos nos portos

A impulsionar a subida do nível geral de preços tem estado também o incremento dos preços das commodities, que têm recuperado de forma marcada desde os mínimos atingidos durante a pandemia. O gráfico abaixo é ilustrativo destes movimentos.
A subida da inflação e o forte incremento nos preços das commodities

O FMI refere também, como fator explicativo da recente subida de inflação, o facto dos salários estarem a crescer de forma mais acentuada nalguns setores de atividade específicos. O rácio vagas de emprego/desempregados encontra-se próximo de 1 nos EUA. Nos EUA, existem sinais de maior crescimento salarial nos setores ligados ao turismo, retalho e transportes. Apesar disso, o Fundo considera que, no total, a inflação salarial nominal na economia como um todo permanece contida, mencionando como exemplos o Canadá, a Alemanha, e os EUA.
Nos EUA, os salários estão a subir de forma acentuada nos setores ligados ao turismo, transportes e retalho

Para já, o FMI continua a manter a sua posição quanto às expectativas de inflação permanecerem contidas na maioria das economias. Nos EUA, realçam que algumas medidas de expectativas, baseadas em inquéritos às famílias, registaram um aumento recente mas possivelmente relacionado com a subida dos preços dos combustíveis. Por seu lado, as medidas de expectativas de mercado apontam para pressões inflacionistas num horizonte de 2 a 3 anos. No entanto, até agora, as expectativas de inflação de médio prazo de mercado permaneceram contidas, em torno dos níveis verificados antes da pandemia.
O FMI considera que até agora as expectativas de inflação de médio prazo permanecem contidas

Em termos de outlook, o FMI considera que, na maioria das economias, a inflação deverá regressar para os níveis pré pandemia já em 2022, com a normalização dos atuais desequilíbrios procura/oferta. O Fundo salienta que a situação no mercado laboral permanece frágil, com taxas de emprego abaixo dos níveis pré pandemia, e que nas principais economias avançadas as expectativas de inflação ainda se encontram bem ancoradas.
O cenário central assume que nas economias avançadas, a inflação deverá atingir um máximo de 3,6% nos últimos meses de 2021, fechando o ano em 3,2%. Posteriormente, a inflação deverá recuar para 2% em meados de 2022. No que se refere aos mercados emergentes e economias em desenvolvimento, o cenário central assume que a inflação deverá atingir um máximo de 6,8% no final de 2021, regressando para cerca de 4% em meados de 2022.
Evolução da inflação e respetivas expetativas (cenário central)

No entanto, o FMI admite que as estimativas centrais de inflação apresentam um elevado grau de incerteza até porque os modelos de previsão utilizados têm por base relações históricas que poderão não ser totalmente válidas no contexto do episódio único que vivemos. O prolongar das subidas nos preços das casas, da escassez de inputs, das pressões sobre os preços dos alimentos e a depreciação cambial, poderão manter a inflação mais elevada durante mais tempo. Para avaliar este risco, o FMI simulou um cenário “tail risk” no qual assume fortes subidas nos preços das commodities e a continuação de disrupções nalguns setores durante os próximos 12 meses. O objetivo é avaliar o potencial impacto do prolongamento das disrupções nas cadeias de oferta. Neste cenário “tail risk”, a inflação sobe de forma significativa, atingindo um máximo de 4,4% nas economias avançadas, em meados de 2022, e 8,4% nos mercados emergentes no início de 2022. Apesar disso, a inflação regressa à sua tendência histórica no início de 2024.
No cenário “tail risk”, em que se admite o prolongamento das disrupções nas cadeias de oferta, a inflação sobe de forma significativa embora temporariamente

O cenário acima pressupõe que as expectativas de inflação permanecem ancoradas. No entanto, existe a possibilidade das famílias, das empresas e dos investidores interiorizarem que as disrupções atuais afinal deverão persistir por mais tempo e que tal se traduzirá na subida das expectativas de inflação de médio prazo e no potencial surgimento de uma espiral inflacionista (com os preços e salários a serem fixados de acordo com as maiores expectativas de inflação). Para avaliar este risco, o FMI levou a cabo um cenário adicional, no qual a inflação acaba por aumentar de forma substancial, tornando-se também mais persistente e volátil.
Num cenário ainda mais gravoso de desancoragem de expectativas de inflação, a taxa de inflação atinge valores substancialmente mais elevados e torna-se mais persistente e volátil

Em suma, apesar do cenário central apontar para um regresso da inflação aos níveis pré-pandemia em meados de 2022, as simulações de cenários alternativos sugerem a existência de riscos significativos para o outlook de inflação. No que se refere ao crescimento económico, o FMI reviu em baixa a sua previsão para 2021, admitindo a existência de riscos de downside. Perante o reconhecimento de riscos upside para a inflação e downside para o crescimento poderá especular-se até que ponto estaremos perante um alerta de estagflação.
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