Weekly Note
Crise de liquidez nos EUA
A Reserva Federal volta a intervir no mercado interbancário dez anos depois
No início da semana passada, a taxa de juro do mercado interbancário americano subiu de forma súbita atingindo os 10%, ou seja, cerca de quatro vezes a taxa de referência da Reserva Federal (Fed) para empréstimos equivalentes.
O mercado interbancário (“repo market”) serve para os bancos resolverem os seus problemas de tesouraria e permite o encontro entre aqueles que procuram financiamento e os que pretendem aplicar os seus recursos excedentários. Por exemplo, o “repo” para o prazo de 1 dia (overnight) é uma transação em que um banco “vende” um título/colateral e obtém como contrapartida um empréstimo proveniente da instituição financeira compradora desse mesmo título/colateral.
Em condições normais, a taxa de juro dos empréstimos interbancários nos EUA situa-se próxima da taxa de referência do Fed para o overnight (1,75%-2,00%), ou seja, a taxa à qual os bancos podem pedir empréstimos junto do Banco Central, de um dia para o outro, por contrapartida da entrega de títulos elegíveis. No entanto, a subida das taxas de mercado para cerca de quatro vezes o nível da “Fed Funds rate” indicia a “falta de vontade” dos bancos com recursos excedentários em emprestar dólares para satisfazer a procura das instituições deficitárias.
Por forma a conter a subida das taxas de juro do mercado interbancário, o Fed viu-se obrigado a intervir ativamente no mercado, situação inédita desde a crise financeira em 2009. Desde o início da semana passada, o Banco Central lançou por sua própria iniciativa, operações repo overnight, com um teto individual de 75 mil milhões de dólares por dia. Estas operações revelaram-se sucessivamente insuficientes face à procura de dólares submetida pelos bancos. A situação culminou, na passada sexta feira, com o Fed a anunciar três operações “term repo”, ou seja, operações com um prazo alargado de duas semanas ao invés de um dia, no valor de 30 mil milhões de dólares cada uma.
Nesta semana, a situação conturbada manteve-se. A primeira operação “term repo”, no valor de 30 mil milhões de dólares revelou-se insuficiente face à procura de 62 mil milhões de dólares submetida pelos bancos. Este facto, aliado à manutenção de um elevado nível de procura de fundos no overnight fez com que o Fed , em meados da semana, acabasse por anunciar a revisão em alta dos tetos para as suas operações de refinanciamento. Os “repos overnight” passaram de 75 para 100 mil milhões de dólares, enquanto os “term repos” passaram de 30 para 60 mil milhões de dólares até ao fim do corrente trimestre. No final da semana, a incerteza mantém-se, já que a primeira operação “term repo” no valor de 60 mil milhões de dólares voltou a ficar aquém das necessidades demonstradas pelos bancos no valor de 73 mil milhões de dólares.
O Fed viu-se obrigado a intervir diariamente no mercado através de operações “repo overnight”.
Nesta fase, importa indagar quais os motivos que levaram os bancos com excedente de liquidez a recusar emprestar o suficiente para satisfazer a procura de financiamento das instituições deficitárias em dólares. A questão torna-se ainda mais pertinente tendo em conta que atualmente os bancos americanos detêm junto do Fed cerca de 1,4 biliões de dólares de excedente de reservas acima dos mínimos exigidos.
Até à data, nem o Fed nem os diversos operadores de mercado apresentaram uma explicação razoável para o sucedido. No início desta crise chegaram a ser avançadas duas hipóteses explicativas, que envolviam, por um lado a necessidade de fundos por parte das empresas para fazer face ao pagamento dos impostos trimestrais e, por outro a nova emissão de títulos do Tesouro para financiar o Estado. No entanto, o prolongamento da crise veio descartar estas duas explicações de carácter temporário.
Outras hipóteses, alvo de especulação, são o receio de um novo problema de risco de crédito no sistema bancário norte-americano e a existência de uma crescente percentagem de dólares fora do sistema bancário e fora dos EUA. Segundo um relatório, datado de 2018, do Federal Reserve Bank of Chicago, estima-se que cerca de 80% das notas de 100 dólares estejam fora dos EUA (num total de 1,34 biliões de dólares em circulação). Acresce a isto que o dólar é a única moeda que nunca foi cancelada em termos físicos, tornando-se por isso o alvo preferido do entesouramento.
A inesperada dimensão destas operações e a indefinição dos seus contornos e fundamentos são razões para um acompanhamento mais fino da nossa parte.
Segundo o Federal Reserve Bank of Chicago cerca de 80% das notas de 100 dólares encontram-se fora dos EUA.
A Sixty Degrees tem vindo a sustentar uma preferência por ativos denominados em dólares. A recente crise de liquidez no mercado interbancário norte-americano, apesar de ter ainda contornos mal definidos, põe em evidência a existência de uma escassez global de dólares, reforçando a nossa convicção de investimento.