Weekly Note
Reino Unido e União Europeia anunciam acordo relativo ao Brexit
Processo ainda pode estar longe do fim
Na passada quinta-feira, dia 17 de outubro, o Reino Unido (RU) e a União Europeia (UE) anunciaram um novo acordo relativo ao Brexit, após uma rápida fase de renegociações. A esperança de conseguir cumprir a data limite de 31 de outubro parecia ter renascido, no entanto, o processo ainda se encontra longe do seu fim. No sábado seguinte, dia 19 de outubro, o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, decidiu suspender a votação do acordo no parlamento inglês na sequência da aprovação da emenda Letwin, que determinou que o acordo final só pudesse ser votado após aprovada a respetiva legislação.
À luz da Lei Benn, aprovada a 4 de setembro, a ausência de aprovação de um acordo até às 23 horas de 19 de outubro implicou um novo pedido de adiamento do prazo para concretização do Brexit, que Boris Johnson se viu obrigado a apresentar junto do presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk. Após uma série de avanços e recuos no parlamento britânico, os deputados acabaram por aprovar a proposta de lei do acordo, mas chumbaram o calendário legislativo apresentado pelo governo por ser considerado demasiado curto. Na sequência desta decisão, Boris Johnson acabou por anunciar que irá submeter ao Parlamento, na próxima segunda-feira, 28 de outubro, uma proposta para a realização de eleições, em 12 de dezembro.
Por seu lado, Donald Tusk veio afirmar que irá pedir aos líderes dos estados-membros da UE que aceitem o pedido de adiamento do Brexit por parte do RU. Até ao momento, apenas a França se opõe à extensão do prazo por mais 3 meses.
Relativamente ao acordo alcançado por Boris Johnson importa referir que é muito semelhante àquele que tinha sido negociado pela sua antecessora Theresa May. O acordo não implica um verdadeiro divórcio, já que o RU permanecerá no mercado único da UE durante o período de transição estabelecido até final de 2020, prazo que deverá ser prolongado por mais 2 anos. Durante o período de transição, as partes deverão negociar os termos das suas relações comerciais futuras. Para ilustrar, a UE demorou 7 anos a negociar um acordo comercial com o Canadá, deixando antever o tempo que poderá demorar este processo com o RU. Tal como o anterior, o atual acordo pressupõe que o RU continue a respeitar os direitos de residência dos cidadãos da UE no seu país e vice-versa. O comprometimento com o pagamento de 45 mil milhões de euros por parte do RU à UE também se mantém.
A principal diferença face ao acordo anterior reside no novo protocolo para a situação da Irlanda. De facto, o aspeto mais sensível das negociações tem sido o mecanismo aduaneiro a estabelecer na fronteira entre a Irlanda do Norte, pertencente ao RU, e a República da Irlanda. Atualmente, tendo em conta que ambos, RU e República da Irlanda, integram o mercado único e a união aduaneira da Europa, a fronteira é aberta, ou seja, existe livre circulação de bens, serviços, capitais e pessoas. No entanto, após o Brexit esta situação alterar-se-ia. A fronteira entre as Irlandas é um tema de enorme sensibilidade política, diplomática e de segurança. A instauração de uma “fronteira física” colocaria em risco o Acordo da Sexta-feira Santa, assinado em 1998, o que pôs fim a um período de violência na Irlanda do Norte, conhecido como “The Troubles”. Tendo em conta a situação, o acordo da senhora Theresa May previa a instauração do “backstop”, solução que visava garantir a livre circulação na fronteira entre as duas Irlandas, qualquer que fosse o resultado das negociações entre as partes no final do período de transição.
O acordo agora alcançado trouxe uma nova solução, na qual os controlos alfandegários terão lugar nos portos da Irlanda do Norte ao invés da fronteira terrestre entre as Irlandas. A Irlanda do Norte fará parte da união aduaneira do RU, cumprindo em simultâneo as regras do mercado único europeu, num regime considerado híbrido. Os produtos que tenham como destino o mercado comum europeu serão alvo de tarifas da UE e terão de cumprir as disposições para os produtos europeus. Em relação aos produtos oriundos do RU destinados exclusivamente à Irlanda do Norte não haverá lugar a quaisquer taxas europeias. Já os produtos provenientes de países terceiros serão alvo de tarifas por parte das autoridades britânicas.
Nesta fase, toda a situação se encontra em suspenso aguardando-se a votação sobre a proposta de eleições em dezembro de 2019 e a resposta da UE ao pedido de adiamento do Brexit para 31 de janeiro de 2020.
Neste momento, os cenários de eleições e/ou segundo referendo já são considerados
Recorde-se que o referendo ao Brexit, realizado em 2016, terminou com uma vitória para os que eram favoráveis à saída do RU com 52% dos votos, contra 48% daqueles que queriam que a nação permanecesse na UE. Este resultado deixa transparecer a enorme divisão reinante entre os vários quadrantes políticos do RU em relação a este tema. A divisão existente abriu caminho ao desenvolvimento de estratégias muito diversas em função da orientação política dos seus proponentes. Por exemplo, o Partido Trabalhista afirma-se atualmente como favorável à realização de um segundo referendo. Um cenário que agradaria a algumas partes seria a destituição do atual executivo e a imposição de um governo de transição, o qual poderia implementar um segundo referendo sobre este assunto. Este referendo colocaria à votação a escolha entre a permanência na UE e um acordo de saída que, na realidade, mantivesse as ligações cruciais à União praticamente inalteradas. Do lado da UE, há uma tentativa natural de defesa dos seus interesses, ou seja, que o RU venha a cancelar o Brexit e a permanecer na União.
As últimas sondagens demonstram o elevado grau de divisão da sociedade civil britânica
A Sixty Degrees considera que, sendo este processo completamente inédito, a incerteza quanto ao seu desfecho se manterá por mais algum tempo. Deste modo, o Brexit é um fator adicional de risco quando se considera o investimento na região europeia como um todo. Deste modo, os desenvolvimentos referidos acima reforçam a nossa convicção pela menor atratividade do investimento em ativos europeus, em especial nos títulos de dívida pública.